domingo, 17 de agosto de 2014

Informacao 17-08-2014

 

Imigrantes haitianos e africanos são explorados em carvoarias e frigoríficos

Estudo recém-divulgado estima que, até o fim deste ano, haverá cerca de 50 mil de cidadãos do Haiti no Brasil

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O Haitiano Ivon Belisarie na carvoaria: trabalho degradante e quilos a menos - Fernando Donasci / O Globo
CASCAVEL e MARINGÁ (PR) - O suor que escorre pelo rosto se junta à poeira negra do carvão e tinge a face e os braços de Ivon Belisarie. A fuligem avermelha seus olhos. Desde que chegou ao Brasil, há dois anos e meio, de segunda a sábado, das 8h às 17h, o imigrante haitiano corta madeira, abastece fornos que produzem carvão vegetal e ensaca o produto que será enviado a centros urbanos do país, numa carvoaria em Maringá (PR). Ele não se senta um minuto. Emagreceu tanto que está abaixo do peso.
No terremoto de 2010, além de nove parentes, Ivon perdeu o patrão, um empresário haitiano do ramo de arroz para quem trabalhava como motorista havia 15 anos. Percebeu então que a permanência no Haiti ficara inviável. Trocou o conforto do ar-condicionado de veículos esportivos pelo calor, a poeira negra e a insalubridade da carvoaria. E a companhia ruidosa dos filhos pela solidão de sequer ter dinheiro para telefonar para casa.
Dos dez haitianos que vieram com Ivon de Manaus para o Paraná, atraídos pela possibilidade de reconstruir a vida, ele é o único que continua na carvoaria. Em troca, recebe cerca de R$ 950.
— Deixei a mulher chorando, com um bebê no colo e mais duas crianças pelas mãos, e vim buscar dinheiro no Brasil. Tenho responsabilidade com a minha família, não podia ficar sem trabalho — conta o haitiano, que chegou a racionar comida para enviar cerca de US$ 300 aos parentes no Haiti.

Desrespeito a normas do trabalho
A 230 quilômetros da carvoaria, num frigorífico em Cascavel (PR), 380 migrantes haitianos fazem, cada um, cerca de 90 movimentos por minuto para desossar frangos e pendurar galinhas. Por um salário mensal de cerca de R$ 1 mil, suportam a rotina de oito horas e 48 minutos diários sob um frio de nove graus, temperatura abaixo do limite de 12 graus estabelecido pelo Ministério do Trabalho.

Trabalho degradante, insalubre e de baixa remuneração em empresas de setores que, frenquentemente, figuram na lista suja do trabalho escravo têm sido o destino final de haitianos e africanos que enfrentam uma travessia dispendiosa e arriscada, muitas vezes patrocinadas por coiotes, para chegar ao Brasil. E não são poucos. Um estudo recém-divulgado pelo demógrafo Duval Fernandes, da PUC-MG, estima que, até o fim deste ano, haverá cerca de 50 mil haitianos no país. Junto a senegaleses, nigerianos e bengaleses, eles têm se engajado em funções que não requerem qualquer nível educacional, e recusadas por brasileiros.

— O trabalho em frigorífico é extremamente penoso. Em três meses, o trabalhador já começa a adoecer porque não há ser humano que suporte tanto movimento repetitivo em temperatura tão baixa. Esse trabalho não interessa mais aos brasileiros. Há uma analogia entre a situação desses migrantes aqui e a dos hispânicos que lotam frigoríficos nos Estados Unidos. Só que aqui a exploração é maior — afirma o procurador do trabalho Heiler Natali, responsável pela vistoria dos frigoríficos.
Estrangeiros trabalhando no corte de frango na Coopavel, frigorifico da região que contratou 380 haitianos para auxiliar de produção. - Fernando Donasci
A história que os imigrantes contam é de promessas não cumpridas sobre salários e alojamentos.
— A coisa mais usual é que ele achem que vão ganhar US$ 2 mil por mês. São enganados e também não entendem a lógica dos impostos sobre o salário — afirma Fernandes.

O haitiano Marcelin Geffrard diz ter sido enganado por um supermercado que o levou do Acre a Cascavel:
— Me prometeram quase R$ 900. Quando cheguei ao Paraná, o salário era menor. Com os descontos, dava só R$ 600. Isso não dava para comida e aluguel, e ainda tinha que mandar dinheiro para a minha filha, no Haiti. O alojamento era sujo, camas quebraram, e a gente tinha que dormir no chão.

Em dois meses, dez quilos mais magro
Em dois anos, Geffrard, pedagogo, com curso de arquiteto inacabado e domínio de cinco idiomas, mudou de emprego cinco vezes. Hoje, trabalha como cobrador de ônibus. Aos fins de semana, faz bicos em uma pizzaria para complementar a renda. Afirma que, apesar da longa jornada de trabalho, está muito melhor hoje do que em outras ocupações:
— O pior lugar em que trabalhei foi o frigorífico. Ali aguentei só 45 dias. Fazia horas extras, mas nunca recebi por elas. Em menos de dois meses, perdi dez quilos. Muitos colegas ficaram doentes, mas os frigoríficos não aceitam atestado e descontam o dia, se você vai ao médico. Então, os haitianos preferem cair no chão doentes no meio da fábrica a ir a um hospital.

A reclamação não é isolada. No começo do ano, haitianos participaram de uma greve em um frigorífico de Maringá. Exigiam aumento, pagamento de horas extras e fim da jornada aos sábados. Suas reivindicações acabaram atendidas pelo empresário, diante da ameaça de pedidos de demissão em massa. Haitianos e africanos se tornaram hoje peças fundamentais para a produção avícola do país.

— Sem eles, eu estaria com 20% da indústria parada — afirma Aguinel Marcondes, gerente de recursos humanos da Coopavel, indústria que produz 195 mil frangos por dia e cujo faturamento em 2013 foi de R$ 1,6 bilhão.

Marcondes prossegue:
— Hoje a oferta de trabalho está grande, e não há mão de obra para suprir as necessidades dos empresários. O próprio governo sentiu isso e abriu as portas para esses imigrantes. Sem eles, o país não cresceria o que deveria.

Haitiano custa menos do que chinês
A dificuldade para preencher vagas nessas indústrias com brasileiros não é a única vantagem na contratação de quem chega de fora. Os empresários têm enxergado neles, sobretudo nos haitianos, uma oportunidade para reduzir seu custo de produção. Uma pesquisa feita pelo economista britânico Paul Collier, para a Organização das Nações Unidas (ONU), mostrou que, em 2009, o Haiti tinha um grande excedente de mão de obra qualificada. Segundo o estudo, o trabalhador haitiano custava mais barato do que o chinês. Após o terremoto que atingiu o país, em 2010, o excedente de mão de obra aumentou. E esses trabalhadores começaram a desembarcar no Brasil.

Além de frigoríficos e carvoarias, eles começaram a ser empregados em massa na construção civil. A situação chamou a atenção do Ministério Público do Trabalho do Paraná, que investiga denúncias dos sindicatos locais de que empreiteiras têm sido constituídas apenas para contratar esses imigrantes. Elas preenchem as folhas da carteira de trabalho, mas jamais registram o trabalhador efetivamente.
Haitianos e africanos descobrem a fraude meses depois, quando o contrato termina, e eles não têm direito à rescisão e ao seguro-desemprego, ou quando sofrem acidentes e não contam com cobertura do INSS. Eles também receberiam menos do que o piso da categoria e cumpririam jornadas de trabalho superiores ao limite estabelecido pela legislação.

Foi o que aconteceu em Conceição do Mato Dentro (MG), onde cem haitianos trabalhavam na construção de um mineroduto da empresa Anglo American. O fiscal do trabalho que atuou no caso relatou que o alojamento deles lembrava uma senzala. A comida fornecida era de baixa qualidade, o que teria provocado hemorragias estomacais.

Para tentar se defender, em Cascavel, onde há pelo menos 1,5 mil haitianos, eles criaram há dois meses a Associação de Defesa dos Direitos dos Imigrantes Haitianos. A entidade já ganhou uma ação contra um frigorífico que demitiu uma haitiana grávida e obteve acordo com uma empreiteira que não havia pago verbas rescisórias.


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sábado, 16 de agosto de 2014

Jornal Zero Hora - RS - 16 de agosto de 2014.

Um lugar ao sol, no Sul

Novos imigrantes mudam o cenário do Rio Grande do Sul

Nova migração é um movimento recente, mas suficientemente forte para causar modificações econômicas, étnicas e culturais

16/08/2014 | 13h02
Novos imigrantes mudam o cenário do Rio Grande do Sul Mauro Vieira/Agencia RBS
No Brasil, imigrantes podem ganhar até seis vezes mais Foto: Mauro Vieira / Agencia RBS
Um novo processo migratório, formado sobretudo por africanos e caribenhos, começa a vingar no Rio Grande do Sul – onde imigrantes italianos, alemães e poloneses se instalaram aos milhares no século 19. Muitas daquelas famílias europeias se fixaram em matagais despovoados na Serra, no Vale do Taquari e no Norte, dando início às principais colonizações do Estado.
As regiões cresceram, cidades como Caxias do Sul, Lajeado e Passo Fundo se tornaram pujantes polos industriais e hoje são ponta de lança do ciclo encabeçado por 11,5 mil estrangeiros negros – vindos não de zonas rurais, como seus antecessores, mas do meio urbano, e com pelo menos o Ensino Médio no currículo escolar.

Fogem da pobreza: no Brasil, podem ganhar até seis vezes mais do que no seu país de origem. O território gaúcho é um dos principais destinos de senegaleses e haitianos, principalmente o Interior, pois em Porto Alegre o custo de vida é mais alto, e a demanda por essa mão de obra, menor. Nas pequenas cidades, eles mudam o retrato da massa trabalhadora. Em Encantado, fundada por italianos, os migrantes negros já representam 2% da população – e 30% dos funcionários de um frigorífico da Dália Alimentos.
O sonho de todos é o mesmo dos colonos que chegaram há quase 200 anos: conseguir um lugar ao sol. Produzir. Vencer no Brasil.

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François Petit Compere, 27 anos, já se considera um vencedor. Saiu do Haiti de avião há três nos e cinco meses, rumo a Manaus. Passou horrores na jornada, dormiu ao relento, migrou para Bento Gonçalves, conseguiu emprego e hoje se diz “rico” para os padrões de seu país. Recebe R$ 1,2 mil de salário na metalúrgica Zen e, por trabalhar com polimento, mais 40% de insalubridade. Gasta R$ 300 com aluguel, almoça no bandejão da empresa e a maior parte do dinheiro restante manda para Porto Príncipe, onde sustenta o filho pequeno e a ex-mulher.

— A cada dois meses recebo, praticamente, o que levava um ano para conseguir no Haiti, como cabeleireiro — comemora François, que já trouxe a nova mulher, haitiana, para morar na Serra.

 
François ganha seis vezes mais do que recebia no Haiti
FOTO: DIEGO VARA

Alcançar o status de haitianos como François é o anseio dos ganeses, que começam a chegar em caravanas ao Brasil. Vincent Iaboa , 24 anos, partiu no início de julho de Kumane, no interior de Gana, onde atuava como vendedor ambulante. Juntou dinheiro seu e de um irmão para pagar a viagem, via Marrocos, até São Paulo. Pernoitou na rodoviária paulistana durante 15 dias. Quatro amigos que vieram com ele não aguentaram o barulho dos ônibus e desistiram, voltando. Iaboa era universitário, estudante de Administração de Empresas, mas aqui está disposto a fazer qualquer coisa para sobreviver. Dorme num colchonete dentro do Seminário Nossa Senhora Aparecida, em Caxias do Sul, alimentado pela caridade alheia.

ZH visitou as principais cidades gaúchas onde se concentram os novos imigrantes: Caxias, Bento Gonçalves, Lajeado, Encantado, Marau, Passo Fundo, Erechim e Gravataí. Autores do livro O Novo Rosto das Imigrações no Brasil: O Caso dos Haitianos no RS (a ser lançado em setembro), o pesquisador Jurandir Zamberlam e o padre João Marcos Cimadon, coordenador de Mobilidade Humana da Regional Sul da CNBB, estimam que 11,5 mil africanos, caribenhos e asiáticos se fixaram no Estado.

Porto Alegre é só ponto de passagem, diz Zamberlam, por conta de três fatores: o custo de vida, puxado pelo aluguel, é muito alto; estão no Interior as empresas de abate de animais e construção civil que mais precisam de mão de obra; e, lá, eles não são “invisíveis” como na Capital.

Os haitianos, dominicanos, senegaleses, ganeses, gambianos e bengaleses (habitantes de Bangladesh) e indianos que vieram para cá são de uma certa classe média urbana. Muitos têm Ensino Médio, Superior incompleto ou mesmo completo. Mulheres, como a senegalesa Adama Sall , 35 anos, funcionária do frigorífico Aurora, de Erechim.

Parte significativa é poliglota. No caso do Haiti, há pesquisadores que já classificam o fenômeno como uma “fuga de cérebros” do país. Nesse ponto, se diferenciam dos alemães e italianos vindos no século 19, na maioria agricultores com baixa instrução. Somente em grupos mais recentes vieram haitianos de menor escolaridade e mais pobres, ligados ao êxodo rural.
— As imigrações do século 19 foram fomentadas pelos governos. Havia uma política de trazer esses europeus para cumprir três objetivos básicos: povoar o Sul do Brasil, produzir alimentos em pequenas propriedades de terra e, em menor escala, promover um branqueamento da população em função da escravidão — diz o historiador René Gertz, professor da PUCRS.

A maioria dos novos imigrantes vem por conta própria, ingressando de forma ilegal. Depois fazem o pedido de refúgio, instrumento legal para um estrangeiro permanecer no Brasil, alegando perseguições políticas (caso de Bangladesh e de Gâmbia) ou questões
humanitárias (caso do Haiti, empobrecido mesmo antes do terremoto que o devastou, em janeiro de 2010). Mas o maior motivo das migrações é econômico, sobretudo em relação a Gana, Senegal e República Dominicana: seus habitantes querem é fugir da falta de trabalho e de dinheiro.

Após a solicitação, o migrante ganha direito de tirar a carteira de trabalho e, assim, ficar temporariamente no país. Em 2013, o número de pedidos quadruplicou, de 4,2 mil para 17,9 mil.

— Eu não chamaria isso de nova onda migratória. Onda pressupõe que, em algum momento, vai acabar. Diria que é um fluxo migratório que passa a incluir o Brasil – pontua Gabriela Mezzanotti, coordenadora do curso de Relações Internacionais da Unisinos.

— Esses fluxos sempre aconteceram, mas o Brasil era exportador, e não destino. Os brasileiros iam aos EUA. Agora estamos fazendo parte desses países que têm algo a oferecer aos migrantes.

Enquanto América do Norte e Europa, premiadas por altas taxas de desemprego, fecham suas fronteiras, o Brasil vem se tornando referência internacional na acolhida. Não existe um programa oficial de incentivo do governo, mas a permanência é facilitada porque o mercado tem interesse na mão de obra.
— Há uma flexibilização da justificativa para o refúgio — diz diz Mariana Dalana Corbellini, subcoordenadora do curso de Relações Internacionais da Universidade de Santa Cruz do Sul.

— O Brasil considera um dever estabelecer cooperação em termos diplomáticos, fazendo intercâmbio com países em desenvolvimento. São brasileiras algumas das grandes construtoras que atuam na África e América Central, por exemplo. No caso haitiano, o Brasil envia milhares de vacinas ao ano pela Fundação Oswaldo Cruz, oferece cursos pelo Senai e Senac e é líder da Missão de Paz da ONU naquele território, o que lhe confere ainda mais responsabilidade frente aos cidadãos.

Ao mesmo tempo em que dá atenção especial a investimentos no Caribe e na África, o Brasil, com a força de sua indústria, acaba se tornando atrativo para os estrangeiros. O pesquisador Zamberlam exemplifica:

— Hoje, o Brasil é o maior exportador de frango para o mundo muçulmano, com 1,8 bilhão de habitantes atendidos por 300 empresas, a maioria delas da Região Sul. E os muçulmanos só admitem receber o produto se o abate for dentro do rito halal (nos preceitos da religião). Isso contribuiu para que milhares de africanos viessem trabalhar aqui.

Por vezes, as próprias empresas atraem a mão de obra estrangeira. A operação costuma se dar dentro da legalidade. Os refugiados têm carteira assinada e recebem as mesmas remunerações e benefícios dos brasileiros. Mas existem relatos de exploração. Alguns precisam quitar as dívidas contraídas com a viagem, o que os expõem a uma condição de fragilidade e análoga à escravidão: servidão por dívida, jornadas exaustivas, trabalho forçado e meios degradantes.

Em junho de 2013, em Cuiabá (MT), fiscais do Ministério Público do Trabalho (MPT)encontraram, em obras do programa Minha Casa Minha Vida, 21 haitianos alojados em situação precária. Em novembro do mesmo ano, em uma mineradora de Conceição do Mato Dentro (MG), havia, segundo definição do MPT, 100 haitianos “abrigados em local
similar a uma senzala
”.

A primeira coisa que os estrangeiros fazem, após conseguir serviço, é mandar dinheiro aos que ficaram no seu país. É por isso que as remessas dos imigrantes superam as exportações haitianas, informa Letícia Mamed, doutoranda em Sociologia pela Universidade
Estadual de Campinas e professora da Universidade Federal do Acre, que integra um grupo de estudo de migrações. Mais de um terço da população adulta do Haiti recebe repasses monetários regulares de parentes radicados no Exterior. Foram US$ 1,5 bilhão em 2010 e US$ 2,1 bilhões em 2011.

A escassez de força de trabalho nas indústrias do interior gaúcho foi determinante para que empresários buscassem migrantes. Sem eles, as linhas de produção corriam o risco de parar, efeito do desinteresse da população local – focada em melhores empregos – em  desempenhar atividades pesadas e menos rentáveis.

— Enfrentávamos uma carência enorme de mão de obra. Ficamos sabendo que a Massas Romena (em Gravataí) havia contratado haitianos. Fomos até Brasileia (no Acre) e trouxemos 50 haitianos em outubro de 2012 — conta Sandra Simonis Lucca, supervisora
de Pessoal da Dália Alimentos, em Encantado.

—  Em fevereiro de 2013, voltamos a Brasileia e trouxemos mais 75 haitianos e alguns dominicanos. A partir daí, eles começaram a fazer contatos com outros compatriotas, que foram se candidatando a vagas de emprego. Atualmente, a empresa conta com 321 estrangeiros no frigorífico de Encantado — 30% do total de funcionários.

Após a chegada de milhares de estrangeiros, as vagas de emprego no interior diminuíram. O indiano Prem Abhilash Kapil, 55 anos, sentiu na pele o efeito. Ele veio ao Brasil por indicação de amigos, mas passou cinco meses desempregado. Depois de muita insistência, há pouco mais de 30 dias foi admitido em uma obra da construtora Zagonel, em Lajeado, onde vive em uma casa com outros três compatriotas. Está mais aliviado.

— O Brasil é bom para ganhar dinheiro. Estou feliz, meu único problema é a língua — diz Kapil, que tenta, muitas vezes em vão, se comunicar em inglês com a população do Vale do Taquari.

Com a desaceleração da indústria, a expectativa dos setores produtivos é de que, em breve, os estrangeiros estarão trabalhado nas colheitas da maçã, do fumo e da uva. São setores em que a mão de obra também é escassa. Sem as alternativas de colocação no emprego, o risco é criar uma disputa entre brasileiros e imigrantes, o que já mostrou efeitos nefastos em outros países, como as escaladas de xenofobia na Europa.

A nova migração é um movimento recente, mas suficientemente forte para causar modificações econômicas, étnicas e culturais no interior gaúcho. Em Encantado, os 400 estrangeiros representam cerca de 2% dos 20 mil habitantes locais. O município já comemora, em maio, o Dia da Bandeira Haitiana.



SENEGALESES REZAM A MAOMÉ EM FÁBRICA DE MÓVEIS
O ritual se repete cinco vezes ao dia na fábrica de móveis Saccaro, em Caxias. Um por vez, os senegaleses se dirigem ao banheiro e começam a lavar mãos e pés, nas pias. É a purificação antes do encontro com os ensinamentos do Profeta, como chamam Maomé. Então, em fila, se ajoelham sobre um tapete verde (que eles chamam de “a July”) ornamentado com a figura de uma mesquita e começam a rezar. Baixinho, em wolof, principal idioma dos países da África Ocidental.

— Alahu Akbar (Alá seja Louvado)  — recitam, misturando o árabe ao dialeto senegalês.

Os murmúrios vão crescendo, deixando escorrer entre os dedos as contas da masbaha, equivalente muçulmano a um rosário católico. Pedem perdão pelos pecados, sob olhar curioso — e respeitoso — dos colegas brasileiros.

Mesmo os não fundamentalistas rezam cinco vezes ao dia. E respeitam o Ramadã, mês no qual só podem se alimentar à noite. No primeiro dia de agosto, quebraram o jejum com um farto “Almoço da Família”: carne de gado com batata e arroz, tudo apimentado.

Tirando a falta que sentem da família, os senegaleses são só elogios ao Brasil. Há recíproca.

— Eles têm muita facilidade para o trabalho, são honestos, disciplinados e não reclamam. Aprendem rápido, inclusive o idioma — diz a gerente de Relações Humanas da Saccaro, Ana Paula De Zorzi Caon.

São 15 na fábrica, todos homens: dois costureiros, um contador, um pintor e os demais,
marceneiros. Yakhia Ba, o líder, costuma usar vestes tribais ou o fez (gorro muçulmano). Alguns faziam, no Senegal, faculdade na área de exatas, mas agora têm de lutar para sobreviver. Ganham bem, para o padrão africano.

Modu Kurabu era comerciante em Dakar, com os pais. Nunca vendia o suficiente para sustentar mulher e dois filhos. Agora recebe R$ 1,3 mil, gasta R$ 500 e manda o resto para
casa. Vários nem conhecem os filhos: as mulheres estavam grávidas quando eles migraram
para o Brasil. Matam saudade via skype: todos têm computadores conectados à África.


Wakhou está há um ano e meio trabalhando na Saccaro
FOTO: DIEGO VARA

CARIBENHOS SÃO PROTEGIDOS POR IGREJA
Passaram-se quase 150 anos, mas a história, ainda que com distinções e peculiaridades, se repete. Em 1882, chegaram a Encantado, distante 149 quilômetros de Porto Alegre, os primeiros imigrantes italianos. Os descendentes desses viajantes formaram famílias, se
espalharam pelo território e, hoje, são absoluta maioria na cidade, com domínio sobre a cultura, a política e a economia.

A primeira criança gerada pelos italianos em Encantado foi Maria Bratti. Já falecida, ela é avó de Ivonete Teixeira, 61 anos, que hoje dedica sua vida ao Centro de Evangelização João Batista Scalabrini, ligado à Paróquia São Pedro, responsável por acolher as centenas de haitianos, dominicanos e senegaleses que desembarcaram na cidade nos últimos três anos, com frio, sem emprego ou lugar para dormir.

No vácuo do Estado, a Igreja assumiu a vanguarda solidária. A história da congregação scalabriniana, assim como a da família de Ivonete, traça um paralelo entre passado e presente. Era 1887 quando o padre italiano João Batista Scalabrini, preocupado com os viajantes do país que partiam rumo a outras regiões do mundo sem dinheiro, emprego e teto, além do desconhecimento da língua local, resolveu fundar a congregação com o objetivo de prestar caridade aos imigrantes.

No linguajar religioso, esse é o “carisma” da entidade. A congregação chegou a Encantado em abril de 1896, com a inauguração da Paróquia São Pedro, a primeira igreja scalabriniana do Rio Grande do Sul. E até hoje permanece atuante no município, sendo a única de Encantado. Depois de amparar os italianos, os scalabrinianos atravessaram mais
de cem anos de espera para acolher os imigrantes negros da África e da América Central. Um paralelo histórico que suscita temas como o racismo e a xenofobia.

— No início, tínhamos preocupação com a receptividade porque o italiano, em geral, é racista. Mas quase não tivemos problemas. Usamos o histórico a nosso favor. Dissemos que somos uma comunidade que nasceu da imigração. Por isso, entendemos que o mais justo
era receber bem esses novos imigrantes — conta Ivonete, voluntária scalabriniana.


Ivonete virou “mãe” dos imigrantes, a quem defendeu de discursos xenófobos
FOTO: DIEGO VARA

GANESES ACAMPAM EM SEMINÁRIO

Para quem ficou dormindo em banco duro de rodoviária, atordoado pelo ruído dos veículos, passando frio e fome, o seminário Nossa Senhora Aparecida, em Caxias do Sul, lembra um paraíso. O prédio em pedra, envolto por flores e pomares, abrigava até 10 dias atrás 90 ganeses que migraram para o Sul durante a Copa do Mundo, sem passagem de volta nem ingresso para os jogos. São parte de uma leva de 380 que escolheu a Serra gaúcha como ponto de partida na busca de emprego.

Permaneceram no Brasil 1.132 ganeses dos 2.529 que vieram com visto de turista para a Copa. Os primeiros conseguiram emprego rápido. Os retardatários aguardam ofertas. A rede de solidariedade católica garantiu a eles hospedagem em Caxias, comida e busca por colocação no mercado de trabalho. Daqueles 90, uns 20 são cristãos e os demais, muçulmanos. Passavam o dia atormentados pelo frio serrano, usando blusões recém-doados pelos fiéis da paróquia, sequiosos pelos raios de sol que iluminam o pátio interno do seminário. Lavavam as próprias roupas, cozinhavam basicamente, frango com arroz, muito condimentado — e comiam bergamotas nos intervalos. Dormiam junto ao refeitório, em colchões.

— São tão honestos e tímidos que tenho de insistir para que peguem frutas no pomar, façam
suco. Delimitamos um perímetro para usarem e eles não ultrapassam. E vêm com uma habilidade a mais em relação aos brasileiros: falam o idioma inglês — descreveu o administrador do seminário, padre Edmundo Marcon.

Em cadeiras dispostas em círculos ao ar livre, os ganeses recebiam lições de português de duas voluntárias, a estudante de Relações Internacionais Juliana Camelo e a publicitária Márcia Pessoa. As duas aproveitaram para praticar o inglês com os africanos.

— Também tomei conhecimento da culinária e da música deles. Muito legal, quero um intercâmbio para conhecer o país deles — entusiasmou-se Juliana.

Há semanas, emissários do frigorífico Nicolini, de Nova Araçá, vieram buscar 30 ganeses no seminário e perguntaram como fariam para levar os pertences dos migrantes. De imediato, todos embrulharam as roupas em sacolas e estavam prontos: possuem apenas algumas roupas, celulares e nada mais.

Mustafah Ibraim é um deles. Ex-jogador de futebol, sofreu um acidente de carro e ficou impossibilitado de jogar. Passou fome na procura por emprego em Gana. Decidiu migrar. Com ajuda dos pais, juntou dinheiro, voou até o Marrocos e veio parar em Caxias, viajando de cidade em cidade, acampando. Não tem dúvidas de que o Brasil “é o melhor país do mundo”.

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Imigração haitiana no Brasil

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Haiti Hatianos no Brasil Brasil
Haitianosnoacre.jpg
Imigrantes haitianos abrigados em alojamento improvisado em Brasileia, no Acre, em 2014. Foto: Luciano Pontes / Secom - Fotos Públicas
População total
Acima de 15.000
Regiões com população significativa
Epitaciolândia
Brasiléia
Manaus
São Paulo[1]
Línguas
Português, Crioulo Haitiano, Francês e Espanhol
Religiões
Cristianismo (predominantemente Catolicismo Romano)
A imigração haitiana ao Brasil é um fenômeno migratório que ganhou grande dimensão após o terremoto que abalou o país caribenho em 13 de janeiro de 2010 que provocou a morte de mais de 300 mil pessoas e deixou cerca de 300 mil deslocados internos.
A presença de haitianos no Brasil era inexpressiva antes da instabilidade política que afetou o país em 2003-2004. Desde então, com a presença dos militares da força de paz da ONU (em sua maioria brasileiros), os haitianos passaram a ver no Brasil um ponto de referência. Após o terremoto de 2010, que desencadeou uma grande onda de emigração no Haiti, o Brasil passou a ser um dos destinos preferenciais dos migrantes..

Imigração

Segundo o governo do Acre, desde dezembro de 2010, cerca de 130 mil haitianos entraram pela fronteira do Peru com o Estado e se instalaram de forma precária nos estados do Paraná,Acre,Amazonas,Mato Grosso e Mato Grosso do sul.De acordo com o delegado Carlos Frederico Portella Santos Ribeiro, da Polícia Federal (PF), entre janeiro e setembro do ano de 2011, foram 6 mil e, em 2012, foram 2.318 haitianos que entraram ilegalmente no Brasil.
Os haitianos chegam a Brasileia, no Acre, de ônibus e são orientados a procurar a delegacia da PF solicitando refúgio, preenchendo um questionário no próprio idioma e sendo entrevistados por policiais. A PF expede um protocolo preliminar que os torna "solicitantes de refúgio", obtendo os mesmos direitos que cidadãos brasileiros, como saúde e ensino. Eles também podem tirar carteira de trabalho, passaporte e CPF, sendo registrados oficialmente no país.
Após o registro na PF, a documentação segue para o Comitê Nacional de Refugiados (Conare) e para o Conselho Nacional de Imigração (Cnig), que abrem um processo para avaliar a concessão de residência permanente em caráter humanitário, com validade de até 5 anos.
Os haitianos não são considerados refugiados no Brasil. Segundo a lei brasileira, o refúgio só pode ser concedido a quem provar estar sofrendo perseguição em seu país, por motivos étnicos, religiosos ou políticas. Porém, em razão da crise humanitária provocada pela catástrofe de 2010, o governo brasileiro abriu uma exceção, concedendo-lhes um visto diferenciado.[2]
Em abril de 2013, o governo do Acre decretou situação de emergência social nos municípios de Epitaciolândia e Brasileia em consequência da chegada descontrolada de imigrantes nestes locais, em sua maioria haitianos.[3] [4] [5] Durante meses, um abrigo emergencial para imigrantes funcionou em Brasileia. No mês de abril de 2014, em razão das enchentes do rio Madeira, esse abrigo, já então superlotado, teve que ser fechado, deixando desabrigados não apenas os haitianos mas também migrantes originários de outros países, como Senegal, Nigéria, República Dominicana e Bangladesh.
A situação de ilegalidade dos migrantes é, em grande parte, consequência de exigências burocráticas impostas pelo Ministério das Relações Exteriores para a entrada de estrangeiros no país. A abertura diplomática de diálogo com os governos de Peru e Equador acerca da exigência de visto aos imigrantes resolveria 90% do problema da imigração ilegal. [carece de fontes?] Além dos haitianos, migrantes de outros países começaram a utilizar a fronteira entre Assis Brasil e a cidade peruana de Iñapari como porta de entrada para o Brasil.
Em consequência do fechamento do abrigo de Brasileia, o governo do Acre despachou os migrantes para Rio Branco, de onde seguiram viagem para outros estados. Desde os dias 8 e 9 de abril de 2014, a chegada massiva de haitianos à cidade de São Paulo sem aviso prévio, em ônibus fretados pelo governo do Acre chamou a atenção da imprensa, da sociedade civil e de diversas organizações humanitárias. Ao chegar à capital paulista, muitos deles procuram da Missão Paz, uma ONG ligada à Pastoral dos Migrantes. Fundada por religiosos scalabrinianos, a Missão Paz funciona na paróquia de Nossa Senhora da Paz, no bairro do Glicério. Desde 1939 em atividade, a Missão acolhe diariamente 110 imigrantes e de 60 a 70 nacionalidades por ano. [6] 650 haitianos passaram pela Missão Paz entre 7 de abril e 11 de maio de 2014. A entidade atende migrantes (internos e externos) e refugiados de todo o mundo desde sua fundação, em 1939. O padre Paolo Parise, coordenador da Missão, destaca a necessidade de que o Brasil disponha de uma lei de migração humanista e clara, em substituição à Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro), uma "herança do tempo da ditadura". Segundo ele, o país carece de uma política de migração de fato, e o Estado - não as organizações da sociedade civil - é que deve ser o protagonista nas ações em favor dos migrantes.[7]
Os haitianos deixam seu país e suas famílias principalmente em busca de trabalho. "Não acreditamos que haja oportunidades na ilha. No Brasil, tudo é mais fácil e é o único local que está recebendo os haitianos com humanidade. Em outros países, é um inferno. Se um haitiano disser que não trabalha por aqui é porque ele não quer", assegura Kenny Michaud, que está há cinco meses em São Paulo. Em geral, eles trabalham para se manter e também precisam enviar dinheiro para suas famílias, no Haiti.[6] Em 2012, os haitianos emigrados enviaram para seus parentes o correspondente a 22% do Produto Interno Bruto (PIB) do Haiti, segundo dados da CIA. Antes do terremoto de 2010, que destruiu a infraestrutura do país e provocou a onda de emigração, o impacto das remessas no PIB não chegava a 16%. De acordo com o Banco Mundial, o valor das remessas internacionais para o Haiti alcançou US$ 1,82 bilhões, em 2012 (antes do tremor, era inferior a US$ 1,3 bilhão). O Banco Central do Brasil diz não ter informação sobre o valor remetido por pessoas físicas ou jurídicas para lá desde 2010, mas os haitianos que trabalham no Brasil afirmam que mandam, em média, R$ 500 por mês para os familiares. [8]

Referências

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Notcia

Jornal do Comercio - RS 12-08-2014

Exigência de visto peruano deve conter entrada de haitianos no Brasil
O governo peruano começou a exigir hoje visto de haitianos que queiram entrar no país. O decreto do presidente Ollanta Humala Tasso está publicado no Diário Oficial do Peru.

A informação foi passada à Agência Brasil pelo secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão. Segundo ele, a iniciativa peruana fará com que os haitianos que têm migrado para o estado e se fixado na cidade de Brasileia, fronteira com o Peru, seja contida. "Com essa medida, os haitianos que estão migrando ilegalmente ficarão retidos nas fronteiras do Peru com a Colômbia e o Equador".

Mourão acrescentou que a decisão do presidente peruano fatalmente obrigará os governos dos dois países a adotarem providências. Ele reconheceu que com o endurecimento na fiscalização a rota migratória dos haitianos para o Brasil poderá ter como referencial a cidade de Tabatinga (AM), que faz divisa com Letícia, na Colômbia, apenas por uma ponte. Já é grande o fluxo de haitianos para a cidade amazonense.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Informacao 25-07-2014

Acre

Haitianas grávidas fazem longo percurso para ter os filhos no Brasil

25 de Julho de 2014
A haitiana Marie Minoise Saintilme, 28, iniciou a viagem para o Brasil, sozinha, quando estava grávida de sete meses. O pai do bebê ficou no Haiti. Foram quase quarenta dias de viagem - quando Marie chegou ao abrigo dos imigrantes, em Rio Branco, já estava com oito meses de gestação.

Na terça-feira, 22, ela deu à luz a pequena Farolita Poungi, acreana, que já foi registrada na unidade interligada dos cartórios nas maternidades. Agora, Farolita é de fato uma cidadã brasileira, o que garante aos pais mais estabilidade no país que escolheram para viver.

Para poder chegar ao Brasil, Marie gastou cerca de R$ 3 mil. O dinheiro foi arrecadado com a ajuda de toda a família. “Ainda não sei quando meu marido virá. Vai depender do que acontecer aqui. Vou ficar até quando puder, mas quero poder trabalhar também”, ressaltou a mulher sobre sua permanência no abrigo.

Cheistana Josepf, 34, é solteira e está grávida de oito meses. Espera um menino, que tem previsão de nascer no dia 26 de agosto. Eveline Jouis Charles, 26, também está no oitavo mês de grvidez. Cheistana e Eveline, assim como a maioria dos imigrantes, receberam ajuda dos parentes para poder viajar.

Segundo o secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos, Nilson Mourão, a estadia das grávidas e mães de recém-nascidos está garantida até a autorização médica para seguir viagem. Nos últimos três meses, já passaram pelo abrigo cerca de 20 imigrantes grávidas

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Informacao

- Atualizado em 16/07/2014 15h39

Igreja acolhe mais de 200 imigrantes por mês em Porto Alegre

Maioria dos estrangeiros entra no Estado em busca de trabalho

Foto: Eduardo Matos / Rádio Gaúcha
O Rio Grande do Sul convive com mais uma onda de imigração. Em 2012, foram os haitianos ingressando no Estado em grande número. Neste ano, são os ganeses, aproveitando o visto de turista para a Copa do Mundo, que decidem ficar, principalmente em Caxias do Sul. Até agora são cerca de 300. Mas há também os moradores de países vizinhos, que por estarem perto não chamam tanta a atenção, mas são maioria que decidem fixar residência em solo gaúcho.

Na ausência de políticas públicas específicas para os estrangeiros, o papel é assumido por voluntários. Em Porto Alegre, o Centro Ítalo Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações, o Cibai, é referência. A entidade, ligada à Igreja Católica, já atendeu somente neste ano 1.466 estrangeiros das mais diferentes nacionalidades. O padre João Marcos Cimadon trabalha há 12 anos com esse tema.

“O primeiro passo é a acolhida, é a orientação. Depois nós temos o apoio para a questão da documentação dos migrantes e o apoio emergencial”, conta o padre.

O apoio emergencial referido pelo padre é a doação de roupas e alimentos, já que todos os estrangeiros que buscam a entidade estão em dificuldades. O trabalho é voluntário. Mesmo sendo uma entidade vinculada à Igreja Católica, o atendimento é para qualquer religião, garante o padre.

“A grande maioria dos que nós atendemos não são católicos. Muitos são de outras crenças religiosas, mas a gente não deixa de prestar um serviço, né. O que a gente valoriza é a questão do ser humano, independente do credo ou de sua religião.”, diz o religioso.

De acordo com o Cibai, a busca por trabalho é o principal motivo da entrada de estrangeiros no Rio Grande do Sul. São pessoas que deixam sua terra natal para buscar uma vida melhor.
“O Brasil neste momento demonstrou um pouco esse crescimento, o que dá uma figura lá fora de que tem muito trabalho, oportunidades para crescer”.

O padre João conta que muitos estrangeiros são trazidos por empresas.

“No Rio Grande do Sul a gente percebe que há falta de mão de obra. Então a solução das empresas é buscar essas pessoas de duas formas. Uma que a mão de obra é barata. E outra é porque o brasileiro se qualificou e está exigindo mais, deixando vaga para esse tipo de trabalho”.

As nacionalidades são as mais variadas. A maioria é de países latino-americanos, como Uruguai, Colômbia e Peru. Mas há grande número de africanos e europeus. Praticamente todos enviam a grande maioria do salário para os familiares que ficaram no país de origem.

“A grande preocupação deles é poder manter a família que ficou no país de origem. Então geralmente eles fazem a suas economias e quase 50% do próprio salário eles enviam para a família”, conta o padre João.

Muitos estrangeiros que chegam no Rio Grande do Sul ficam algum tempo sem trabalho. Quando conseguem, fazem trabalhos informais até conseguir um emprego formal.
“Os dois tipos de trabalho maior, é a construção civil e em frigoríficos. Mas também tem outros que trabalham no setor de limpeza. De início, qualquer trabalho eles aceitam”.
O padre João lembra que outra dificuldade dos estrangeiros é o idioma, mas diz que sempre se dá um jeito.

“Num primeiro momento nos comunicamos em espanhol. Muitos falam em espanhol. Mas com gestos a gente procura se entender da melhor forma, né. Quando existe muita dificuldade, às vezes a gente busca pessoas que falem, por exemplo, francês para que nos ajudem na tradução”.
Em geral, os estrangeiros chegam em grupos em que pelo menos um compreende bem o português.
“Entre eles mesmos geralmente tem um que fala mais o português. Então entre eles existe a tradução. A gente procura falar com aquela pessoa que fala o português e ele repassa as informações pra essas pessoas”.

Outra iniciativa, também voluntária, é o ensinamento da língua portuguesa aos estrangeiros.
“A gente começou também um curso de Português para imigrantes. São em torno de 80 imigrantes que participam desse curso. O curso é totalmente gratuito, com professoras voluntárias”.
Entre os 80 imigrantes da turma, estão haitianos, senegaleses, ganeses, colombianos, peruanos, dominicanos e salvadorenhos. Além dos professores, o Cibai conta com outros voluntários, como psicólogos e advogados. O padre conta que o perfil do imigrante vem mudando.

“São jovens, entre 25 e 35 anos. Vêm sem a família. Às vezes só o homem ou só a mulher. São de cultura diferentes da brasileira. Conversando com empresários, dizem que são responsáveis, pontuais, trabalhadores. Usam muito os meios de comunicação, como celulares e internet”.

O pesquisador
O professor universitário aposentado Jurandir Zamberlam pesquisa há mais de uma década a imigração no Rio Grande do Sul. Ele é um dos voluntários do Cibai. Por desconhecerem a legislação trabalhista brasileira, muitos estrangeiros regularmente contratados denunciam irregularidades, que muitas vezes não se confirmam.

“O trabalhador que vem de países que não têm essa legislação estruturada no arcabouço jurídico tem dificuldade de entender determinados descontos que ocorrem sobre o salário dele. Então em decorrência disso, muitas vezes nos procuram ou procuram pessoas ligadas à comunidade de igreja ou políticos, mas são orientados que essa é nossa realidade”, diz o pesquisador.
Jurandir conta que existe um outro tipo de imigrante que também procura acolhimento. São os estudantes universitários.

“A maioria vem de países da África e América Latina. Qual é a grande dificuldade? Eles fazem a seleção lá na embaixada brasileira no paíse origem deles e vem tendo garantida a vaga numa universidade e se responsabilizam de assumir as despesas cotidianas. Mas quando eles chegam aqui eles encontram dificuldades sérias.  E eles nos buscam, principalmente nos seis primeiros meses, porque é o período de cursos de adaptação nas universidades para a língua. Consequentemente eles não estão matriculados e não podem usufruir das vantagens, como do refeitório e meios de comunicação das universidades. O que eles buscam de nós aqui. É roupa, no período de inverno. E nas férias, alimentos”, ressalta Zamberlam.

O professor Jurandir também critica a falta de políticas públicas para esses estrangeiros.
“A ordem jurídica sobre a questão migratória está centralizada totalmente no poder federal. Então os municípios e os estados não se sentem responsabilizados. E o Governo Federal é documentar e selecionar. E não tem tido políticas públicas. Ultimamente graças a presença dos haitianos que forçou um debate nacional, começamos a entender que é preciso que município e estado também tenham políticas públicas voltadas para os migrantes. A Constituição Brasileira é bem clara. Todo o cidadão que reside no país tem direito à saúde...Os mesmos direitos de outros cidadãos. Mas o problema é conseguir chegar a esse estágio de ser considerado um cidadão brasileiro. Enquanto isso, ele recebe um protocolo. Mas esse protocolo não garante um emprego fixo e as vezes demora dois anos para vir a autorização de permanência no país”, ressalta.

O pesquisador lembra da necessidade de uma nova legislação sobre o tema.
“Consequentemente se busca a criação de uma nova lei migratória que contemple a possibilidade desses imigrantes vindos sob a forma de vistos humanitários ou de outras maneiras possam se estabilizar no Brasil”, conclui o professor.

Na próxima reportagem, confira a rotina dos estrangeiros que escolheram o Rio Grande do Sul para viver.
 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Noticia 14-07-2014

Rio grande, segunda-feira, 14 de julho de 2014, 16:19h

Construção Civil em Rio Grande tem trabalhadores haitianos


 
Rio Grande está na rota das alternativas de emprego para trabalhadores de diferentes regiões do País. Tem sido cada vez mais comum a presença de cariocas, paulistas, mineiros, cearenses, entre outros, nos mais diversos segmentos da cidade. Especialmente com o incremento do Polo Naval, as empresas buscam mão de obra qualificada e, com escassez na cidade, acabam trazendo empregados de outros lugares.
 
Na construção civil, por exemplo, de acordo com gestores e empresários do setor, tem sido difícil encontrar trabalhadores habilitados e disponíveis para funções de pedreiro, servente, entre outras, ou que não estejam seduzidos pelos salários pagos pela construção naval. E foi com base nessa dificuldade que a empresa Pedrão Construtora foi buscar empregados internacionais. Cerca de 25 homens, naturais do Haiti, estão trabalhando em obras nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná, sede da empresa.
 
"Tivemos conhecimento, através de uma empresa de Caxias, que havia um grupo de haitianos trabalhando, legalmente, no ramo da construção, desempenhando boas funções e supermotivados. Então, uma equipe da nossa empresa foi até Manaus, onde cerca de 2 mil haitianos estavam alojados, para propor contratos de trabalho, de acordo com nossa necessidade. Assim, estamos com 14 trabalhadores em Rio Grande e outros 11 em Pato Branco, no Paraná", disse Alexei Bordignon, engenheiro civil.
 
De acordo com ele, o alojamento dos haitianos ficava junto à paróquia São Geraldo, e recebiam auxílio de um padre responsável. "Logo que chegaram ao Brasil, foram até a Polícia Federal encaminhar a documentação necessária e obter liberação, inclusive com relação ao vencimento dos vistos. Até as vacinas exigidas foram todas providenciadas", acrescentou Alexei.
 
O contrato firmado com a empresa é normal, incluindo período de experiência e carteira assinada. Todas as despesas estão sendo pagas pela Pedrão Construtora, como alojamento, alimentação e transporte. Para José Henrique Fernandes, técnico em edificações, que está acompanhando o grupo de haitianos, o rendimento tem sido bom.
 
"A maioria veio em busca de oportunidade. No seu país de origem, trabalhavam como enfermeiros e garçons, outros eram apenas estudantes. Mas o diferencial é que eles têm motivação, querem trabalhar pra mandar dinheiro para as famílias que ficaram lá. E nosso objetivo, com o desenvolvimento do trabalho, é promover a qualificação conforme o andamento das obras e a observação das aptidões", disse José Henrique.
 
Segundo ele, os haitianos têm atuado como um reforço nas obras, acompanhando uma equipe técnica que já trabalha na empresa há algum tempo. A empresa participou e venceu licitações da Prefeitura Municipal para construção de cinco escolas de educação infantil e 268 casas. Nesse período inicial, os trabalhadores estão atuando na construção da Escola de Educação Infantil Ana Neri, na localidade do Bolaxa, e em outra obra no Camping Municipal.
 
A realidade haitiana
A capacidade de entender a língua portuguesa ainda é discreta, mas os haitianos mantêm a comunicação, principalmente entre eles, através do francês e do dialeto próprio, chamado crioulo. Alguns também entendem espanhol e, aos poucos, vão se adaptando à linguagem brasileira. Kenel Lucian, de 31 anos, contou que deixou o Haiti em busca de recuperação, após o terremoto que devastou o país no início de 2010.
 
"O Brasil está abrindo portas para o Haiti, prestando apoio e acolhendo os trabalhadores, principalmente após o terremoto. Perdemos famílias, emprego, casa, enfim, toda a estrutura, e viemos em busca de trabalho para auxiliar na reconstrução da vida. Aqui, todo mundo nos trata bem, fomos muito bem recepcionados pelo povo brasileiro. Assim, temos a chance de mandar dinheiro para nossos parentes que ficaram lá, como meu filho de seis anos", disse. No mesmo grupo ainda estão Anais Chery, 21, Deivil Mirville, 27 e Renold Noel, 37, que vêm de cidades como Cabo Haitiano, Gonive e Porto Príncipe, todos em busca de subsídios para reconquistar não apenas o patrimônio que perderam, mas a dignidade através do trabalho.

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