quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Notícia 24-12-2012

O Brasil gastou quase um bilhão de dolares em 8 anos, para sustentar as tropas, imaginem isso aplicado em projetos agricolas para produçao de alimentos, ou na construção de escolas?
Gasto brasileiro no Haiti chega a R$ 1,9 bi desde abril de 2004
Do total, ONU reembolsou ao Tesouro Nacional R$ 556,5 mi; Lula justificou envio de tropa como forma de garantir assento permanente em Conselho de Segurança, o que ainda não aconteceu
24 de dezembro de 2012 | 19h 55


Tânia Monteiro, Leonencio Nossa, de O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Sem previsão para deixar o Haiti, o Exército gastou, de abril de 2004 a novembro deste ano, R$ 1,892 bilhão na manutenção da tropa no país arrasado por uma guerra civil e, mais recentemente, por um terremoto.
Desse total, a Organização das Nações Unidas (ONU) reembolsou R$ 556,5 milhões para o Tesouro Nacional. Os números são do Ministério da Defesa. Na prática, um gasto de R$ 1,3 bilhão líquido em recursos do Brasil. Em 2004, o governo Lula justificou que a participação na missão de paz da ONU era uma forma de garantir um assento permanente do Brasil no Conselho de Segurança, o que não ocorreu.
Atualmente, o Brasil mantém 1.910 homens das Forças Armadas na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah). A maioria do contingente brasileiro é do Exército. Ainda há militares da Aeronáutica (30 homens da Força Aérea Brasileira) e da Marinha (200 fuzileiros navais). A meta para 2013 é reduzir o efetivo para 1.200 militares, mesmo número do início da operação, em 2004 – o acréscimo ocorreu após o terremoto de 2010.
A redução da tropa de forma “responsável”, nas palavras do ministro da Defesa, Celso Amorim, é respaldada por uma resolução da ONU, de outubro. No começo deste mês, o presidente do Haiti, Michel Martelly, escreveu uma carta de duas páginas implorando à presidente Dilma Rousseff para negociar a manutenção do efetivo, argumentando que ainda não conseguiu formar uma polícia nacional para deter o avanço de gangues.
Em oito anos e meio, cerca de 25 mil militares brasileiros passaram pelo Haiti. O governo avalia que a missão, embora não tenha garantido um assento no Conselho de Segurança, derrubou uma das principais críticas ao País no âmbito da ONU. Delegações estrangeiras sempre questionaram a contundência dos discursos dos diplomatas do Itamaraty na área de direitos humanos e a fraca presença real brasileira nos campos de conflito.
O gasto total do Brasil no Haiti é quase nove vezes maior que o valor pedido em 2012 pelo governo de São Paulo ao governo federal para modernizar as áreas de informação e inteligência da polícia – neste ano, o governo paulista reclamou que pediu R$ 148,8 milhões ao Ministério da Justiça e só recebeu R$ 4 milhões. No contra-ataque, o governo federal alegou que não recebeu projeto consistente para o envio dos recursos. Se aplicada na área social, a despesa no Haiti daria para pagar o plano de expansão da rede de creches e escolas infantis nos próximos três anos e que, até agora, não saiu do papel. O governo anunciou um investimento de R$ 1,3 bilhão até 2014.
Não estão incluídos no total de despesas os recursos gastos com soldos dos militares. O gasto inclui recursos de diárias, alimentação, comunicação, rede de internet, processamento de dados, explosivos e munições, vestuário, transporte, combustível e produtos médicos e farmacêuticos.
Promessas. O projeto brasileiro no Haiti começou com festa. Enquanto soldados chegavam a Porto Príncipe para montar base, a seleção liderada por Ronaldo Fenômeno desfilava com a Copa Fifa em blindados da ONU pela capital haitiana, diante de uma multidão eufórica, e aplicaria depois uma goleada de 6 a 0 no time da casa, para a festa dos ricos do país que tiveram acesso ao estádio.
Enquanto tentavam se adaptar a um país sem infraestrutura, com mais de 70% da população sem emprego, generais brasileiros pressionavam diplomatas e autoridades para exigir recursos de organismos internacionais para combater a miséria no Haiti. Em janeiro de 2010, o país caribenho foi atingido por um terremoto, que deixou 316 mil mortos, segundo o governo haitiano. A tropa brasileira também foi atingida, com a morte de 18 militares.
Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) indicam que o governo gastou, em 2011 e 2012, R$ 235 mil em bolsas para os filhos dos militares mortos no terremoto. A tragédia de 2010 tornou ainda mais dramática a vida que já era praticamente insuportável no país. Sem árvores – cortadas para lenha de fogão –, as ruas de Porto Príncipe ainda estão tomadas de abrigos improvisados de sobreviventes do terremoto.
Os discursos de dirigentes da ONU pedindo recursos “impactantes” para o Haiti não mobilizaram a comunidade internacional, antes ou depois do começo da crise financeira de 2008. O governo brasileiro deve endurecer, no próximo ano, o discurso contra a própria ONU.
O Ministério da Defesa e o Itamaraty reclamam que o Brasil se comprometeu a gastar US$ 40 milhões, por exemplo, na construção de uma hidrelétrica com capacidade de 32 megawatts no Rio Artibonite, ao sul de Porto Príncipe, e, até agora, os demais países não repassaram um centavo para o projeto orçado em US$ 190 milhões e que beneficiará 1 milhão de pessoas.
País não tem controle dos recursos que recebe para o Haiti
Segundo general brasileiro, estimativa é de que apenas 10% da doações externas vão para o governo haitiano
24 de dezembro de 2012 | 20h 05
Tânia Monteiro e Leonencio Nossa, de O Estado de S.Paulo
 BRASÍLIA - Quase dois anos depois do terremoto que devastou o Haiti e deixou salto total de 316 mil mortos, a situação do país está longe de voltar ao ponto, já crítico, de antes da tragédia. A avaliação é do ex-comandante das Forças da ONU no Haiti, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que atuou no país entre 2007 e 2009.
O general disse ao Estado que, ao contrário do que se imagina, o maior problema não é a falta de recursos para melhorar as condições de vida da população, mas o descontrole sobre o envio e o recebimento dessa verba para o país, sem a contabilização pelo governo haitiano. Segundo ele, “não há sincronismo entre os trabalhos das ONGs e do governo do Haiti” e “cada um faz o que quer e, com isso, se cria um poder paralelo, fora do controle do governo central”.
De acordo com dados do Banco Mundial, de 2009, 10 mil organizações não governamentais atuavam no país antes do terremoto. Com a tragédia, o número subiu para 12 mil, mas o governo de Porto Príncipe só tem o registro de 560 ONGs. No entanto, não há estimativa concreta por parte do governo local do volume de recursos que já foi destinado ao Haiti e onde os recursos foram aplicados. Além do descontrole em relação aos recursos das ONGs, a maior parte das verbas oficialmente prometidas também não chegou. Dos US$ 5,3 bilhões prometidos para a reconstrução do país em dois anos, só a metade foi recebida.
Para dar uma dimensão do descontrole, o general Santos Cruz comentou que a estimativa é de que apenas 10% do que chega de doação externa vai para o governo haitiano, e a quantidade de recursos movimentada é “uma incógnita”. Ele lembra que uma pesquisa foi realizada com 300 ONGs norte-americanas para se tentar saber quanto tinham enviado para o Haiti. Apenas 38 responderam, informando que mandaram US$ 1,8 bilhão, mas não se sabe exatamente onde os recursos foram aplicados.
Dependência. Outro problema: do próprio orçamento federal do Haiti aprovado neste ano, da ordem de US$ 3 bilhões, cerca de 60% dependem de ajuda internacional, o que dificulta qualquer tipo de planejamento. “Nenhum governo consegue se planejar dependendo de dinheiro de doações externas”, afirmou o general, ao explicar que esta falta de estrutura governamental acaba por depositar “esperanças excessivas” na presença da ONU no país.
Com o passar do tempo e o esquecimento da tragédia provocada pelo terremoto, o trabalho da missão de paz entra na rotina, as ajudas mínguam e a ONU começa a reduzir sua presença no território. O ministro da Defesa, Celso Amorim, defende que é importante manter o engajamento em relação ao país, mas reconhece que “não é bom para o Haiti nem para ninguém que a tropas fiquem lá indefinidamente”. O ministro não fixa prazo para retirada das tropas brasileiras e lembra que isso dependerá sempre de acertos entre a ONU e os governos do Haiti e do Brasil.
Amorim tem defendido uma mudança no perfil da missão que, acredita, deve começar a se voltar mais para os aspectos do desenvolvimento socioeconômico e da diminuição da dependência externa do país caribenho. “A ideia é que haja desenvolvimento no Haiti, que é a melhor maneira de diminuir substancialmente o problema da segurança no país”, afirmou.
O general Augusto Heleno, o primeiro comandante das tropas da ONU no Haiti, em 2004, acredita que “já está na hora de nós pensarmos, paulatinamente, de sairmos da missão, uma vez que hoje ela é missão tipicamente de polícia, muito mais do que de paz, que exija força militar tão numerosa”. Mas ele ressalta que, “do ponto de vista militar”, a participação da tropa brasileira “tem sido altamente vantajosa porque a tropa tem adestramento em situação real e isso é de um valor inestimável para o treinamento do pessoal”. O general destacou o trabalho da companhia de engenharia do Exército brasileira, que, “extrapolando sua missão”, construiu poços artesianos e estradas, asfaltou ruas, recuperou escolas e hospitais.
Apesar de todas as ajudas, a taxa de pobreza é altíssima no Haiti, com quase 80% da população vivendo com US$ 2 por dia, a taxa de mortalidade infantil é de 60 crianças por mil, 50% das crianças não frequentam as escolas e a lista da Transparência Internacional coloca o Haiti em 165.º lugar em corrupção, numa escala que vai até 176. Mas a violência no país está controlada. Lá ocorrem de seis a sete assassinatos por 100 mil habitantes. É uma taxa cinco vezes menor do que a do Rio de Janeiro, que é de 35 assassinatos por 100 mil habitantes.