Oolhar assustado em meio à multidão que transita pelo Aeroporto Salgado Filho, em
Porto Alegre, denuncia que há algo errado com a mulher que, a passos curtos, caminha sem direção fixa abraçada a uma bolsa branca. Desde o último sábado (28), a haitiana Guerline, que não informou o sobrenome, mora no terminal e dorme no saguão. Segundo a Polícia Federal, ela tem passagem comprada para Porto Príncipe na próxima segunda-feira (9), e até lá não planeja cruzar as portas automáticas para deixar o pavilhão de embarque, apesar de ter visto de permanência no país. A situação preocupa funcionários que tiveram recusadas ofertas de alimento e hospedagem.
Haitiana tem visto de permanência no Brasil,
mas não deixa o aeroporto (Foto: Felipe Truda/G1)
"Não quero nada. Só quero ir embora", disse, nesta terça-feira (3), à intérprete Jaqueline Rocha, da Aliança Francesa de Porto Alegre.
Especialista em crioulo, dialeto do francês falado no Haiti, a tradutora afirmou que a estrangeira disse outras palavras, mas soaram incompreensíveis. "Ela falou mais coisas, mas pareciam desconexas. Disse algo como ‘se eu morrer, não tem problema’. Parecia um ditado de lá", disse.
Perto de onde estava a haitiana, três sacolas de supermercado estavam abandonadas sobre uma mesa de lanchonete. Segundo funcionários do aeroporto, elas estavam cheias de alimentos oferecidos e rejeitados pela mulher.
"O supervisor mandou oferecermos comida ela. Está tudo ali. Naquelas sacolas tem suco e uns três ou quatro lanches. Perguntamos se ela queria tomar banho nos chuveiros públicos, mas ela não quis", diz o auxiliar de serviços Clodomiro Trindade Ferreira, de 65 anos. "Nunca vi nada parecido. E olha que já vai fazer 12 anos que trabalho aqui", comentou.
Guerline, como se apresenta sem afirmar o sobrenome, conta que trabalhou em uma residência em Santa Catarina, onde sofreu maus tratos. Apesar de não se separar da bolsa, a turista permitiu que o resto da bagagem que trazia fosse colocado em um carrinho ao lado da delegacia da Polícia Federal dentro do aeroporto. Segundo o delegado José Antônio Dornelles de Oliveira, a estrangeira tem visto para entrar no país. A PF acompanha o caso e auxilia dentro do possível.
Delegado da PF acompanha a situação da haitiana
(Foto: Felipe Truda/G1)
"Ela está legal no país, tem visto de permanência, mas quer ir embora e está com a passagem. Obviamente, eu cuido do aspecto policial. Enquanto ela não cometer nenhum crime, está no direito de ir e vir dela. Não está criando nenhum transtorno", destaca o delegado.
Um funcionário haitiano é responsável pela comunicação entre eles. "Ele fala crioulo também. Estamos desde de ontem à noite conversando com ela. Conseguimos um local para ela ficar em uma igreja, mas ela recusou", disse o delegado, que garante que a mulher não está sem alimentação. "O pessoal tem dado comida, e ela comeu ontem", disse.
Ainda segundo o delegado, Guerline afirmou estar grávida e recebeu atendimento no Serviço Médico da Infraero. "Ela já foi atendida duas vezes no posto médico. Ontem à noite ela pediu para ser atendida, disse que não estava bem e a levamos ao posto. O médico disse que está tudo bem com ela", disse.
De acordo com o engraxate Alexandre Oliveira, de 50 anos, Guerline intriga os funcionários. Ele conta que, quando foi atendida pelos médicos, a haitiana chorava e gritava. "Foi assustador", diz.
Bagagem da turista está ao lado da delegacia da
PF no aeroporto (Foto: Felipe Truda/G1)
Histórias da visitante circulam entre trabalhadores. Até mesmo uma suposta saída do terminal é relatada. Segundo o engraxate, ela teria ido até a estação do Trensurb ao lado do aeroporto para jantar. "Ontem à noite, ela estava no Trensurb comendo um cachorro-quente, e a trouxeram de volta", conta.
O temor da estrangeira diante de pessoas que tentam se aproximar dela impressiona os trabalhadores do Salgado Filho. Alguns dizem que ela recusa alimentos. Outros, que ela pede para a pessoa que oferecer alimento coma antes dela, como se quisesse se certificar que a comida não está envenenada.
"Hoje de manhã, ela pagou um achocolatado com uma nota de R$ 50. A atendente da loja foi dar o troco na mão dela e ela não aceitou. Só pegou depois que a moça largou o dinheiro na bancada", conta Oliveira.
Aguardado por Guerline, o voo para Porto Príncipe tem uma escala no Panamá e, para passar por lá, os haitianos precisam obter o visto em São Paulo. Responsável pelo voo de Porto Alegre ao Haiti, com escalas em São Paulo e Panamá, a empresa Copa Airlines não quis se manifestar sobre o caso.
Fonte: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2015/03/so-quero-ir-embora-diz-haitiana-que-ha-3-dias-mora-em-aeroporto-no-rs.html