Igreja acolhe mais de 200 imigrantes por mês em Porto Alegre
Maioria dos estrangeiros entra no Estado em busca de trabalho
Foto: Eduardo Matos / Rádio Gaúcha
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O Rio Grande do Sul convive com mais uma onda de imigração. Em 2012, foram os haitianos ingressando no Estado em grande número. Neste ano, são os ganeses, aproveitando o visto de turista para a Copa do Mundo, que decidem ficar, principalmente em Caxias do Sul. Até agora são cerca de 300. Mas há também os moradores de países vizinhos, que por estarem perto não chamam tanta a atenção, mas são maioria que decidem fixar residência em solo gaúcho.Na ausência de políticas públicas específicas para os estrangeiros, o papel é assumido por voluntários. Em Porto Alegre, o Centro Ítalo Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações, o Cibai, é referência. A entidade, ligada à Igreja Católica, já atendeu somente neste ano 1.466 estrangeiros das mais diferentes nacionalidades. O padre João Marcos Cimadon trabalha há 12 anos com esse tema.
“O primeiro passo é a acolhida, é a orientação. Depois nós temos o apoio para a questão da documentação dos migrantes e o apoio emergencial”, conta o padre.
O apoio emergencial referido pelo padre é a doação de roupas e alimentos, já que todos os estrangeiros que buscam a entidade estão em dificuldades. O trabalho é voluntário. Mesmo sendo uma entidade vinculada à Igreja Católica, o atendimento é para qualquer religião, garante o padre.
“A grande maioria dos que nós atendemos não são católicos. Muitos são de outras crenças religiosas, mas a gente não deixa de prestar um serviço, né. O que a gente valoriza é a questão do ser humano, independente do credo ou de sua religião.”, diz o religioso.
De acordo com o Cibai, a busca por trabalho é o principal motivo da entrada de estrangeiros no Rio Grande do Sul. São pessoas que deixam sua terra natal para buscar uma vida melhor.
“O Brasil neste momento demonstrou um pouco esse crescimento, o que dá uma figura lá fora de que tem muito trabalho, oportunidades para crescer”.
O padre João conta que muitos estrangeiros são trazidos por empresas.
“No Rio Grande do Sul a gente percebe que há falta de mão de obra. Então a solução das empresas é buscar essas pessoas de duas formas. Uma que a mão de obra é barata. E outra é porque o brasileiro se qualificou e está exigindo mais, deixando vaga para esse tipo de trabalho”.
As nacionalidades são as mais variadas. A maioria é de países latino-americanos, como Uruguai, Colômbia e Peru. Mas há grande número de africanos e europeus. Praticamente todos enviam a grande maioria do salário para os familiares que ficaram no país de origem.
“A grande preocupação deles é poder manter a família que ficou no país de origem. Então geralmente eles fazem a suas economias e quase 50% do próprio salário eles enviam para a família”, conta o padre João.
Muitos estrangeiros que chegam no Rio Grande do Sul ficam algum tempo sem trabalho. Quando conseguem, fazem trabalhos informais até conseguir um emprego formal.
“Os dois tipos de trabalho maior, é a construção civil e em frigoríficos. Mas também tem outros que trabalham no setor de limpeza. De início, qualquer trabalho eles aceitam”.
O padre João lembra que outra dificuldade dos estrangeiros é o idioma, mas diz que sempre se dá um jeito.
“Num primeiro momento nos comunicamos em espanhol. Muitos falam em espanhol. Mas com gestos a gente procura se entender da melhor forma, né. Quando existe muita dificuldade, às vezes a gente busca pessoas que falem, por exemplo, francês para que nos ajudem na tradução”.
Em geral, os estrangeiros chegam em grupos em que pelo menos um compreende bem o português.
“Entre eles mesmos geralmente tem um que fala mais o português. Então entre eles existe a tradução. A gente procura falar com aquela pessoa que fala o português e ele repassa as informações pra essas pessoas”.
Outra iniciativa, também voluntária, é o ensinamento da língua portuguesa aos estrangeiros.
“A gente começou também um curso de Português para imigrantes. São em torno de 80 imigrantes que participam desse curso. O curso é totalmente gratuito, com professoras voluntárias”.
Entre os 80 imigrantes da turma, estão haitianos, senegaleses, ganeses, colombianos, peruanos, dominicanos e salvadorenhos. Além dos professores, o Cibai conta com outros voluntários, como psicólogos e advogados. O padre conta que o perfil do imigrante vem mudando.
“São jovens, entre 25 e 35 anos. Vêm sem a família. Às vezes só o homem ou só a mulher. São de cultura diferentes da brasileira. Conversando com empresários, dizem que são responsáveis, pontuais, trabalhadores. Usam muito os meios de comunicação, como celulares e internet”.
O pesquisador
O professor universitário aposentado Jurandir Zamberlam pesquisa há mais de uma década a imigração no Rio Grande do Sul. Ele é um dos voluntários do Cibai. Por desconhecerem a legislação trabalhista brasileira, muitos estrangeiros regularmente contratados denunciam irregularidades, que muitas vezes não se confirmam.
“O trabalhador que vem de países que não têm essa legislação estruturada no arcabouço jurídico tem dificuldade de entender determinados descontos que ocorrem sobre o salário dele. Então em decorrência disso, muitas vezes nos procuram ou procuram pessoas ligadas à comunidade de igreja ou políticos, mas são orientados que essa é nossa realidade”, diz o pesquisador.
Jurandir conta que existe um outro tipo de imigrante que também procura acolhimento. São os estudantes universitários.
“A maioria vem de países da África e América Latina. Qual é a grande dificuldade? Eles fazem a seleção lá na embaixada brasileira no paíse origem deles e vem tendo garantida a vaga numa universidade e se responsabilizam de assumir as despesas cotidianas. Mas quando eles chegam aqui eles encontram dificuldades sérias. E eles nos buscam, principalmente nos seis primeiros meses, porque é o período de cursos de adaptação nas universidades para a língua. Consequentemente eles não estão matriculados e não podem usufruir das vantagens, como do refeitório e meios de comunicação das universidades. O que eles buscam de nós aqui. É roupa, no período de inverno. E nas férias, alimentos”, ressalta Zamberlam.
O professor Jurandir também critica a falta de políticas públicas para esses estrangeiros.
“A ordem jurídica sobre a questão migratória está centralizada totalmente no poder federal. Então os municípios e os estados não se sentem responsabilizados. E o Governo Federal é documentar e selecionar. E não tem tido políticas públicas. Ultimamente graças a presença dos haitianos que forçou um debate nacional, começamos a entender que é preciso que município e estado também tenham políticas públicas voltadas para os migrantes. A Constituição Brasileira é bem clara. Todo o cidadão que reside no país tem direito à saúde...Os mesmos direitos de outros cidadãos. Mas o problema é conseguir chegar a esse estágio de ser considerado um cidadão brasileiro. Enquanto isso, ele recebe um protocolo. Mas esse protocolo não garante um emprego fixo e as vezes demora dois anos para vir a autorização de permanência no país”, ressalta.
O pesquisador lembra da necessidade de uma nova legislação sobre o tema.
“Consequentemente se busca a criação de uma nova lei migratória que contemple a possibilidade desses imigrantes vindos sob a forma de vistos humanitários ou de outras maneiras possam se estabilizar no Brasil”, conclui o professor.
Na próxima reportagem, confira a rotina dos estrangeiros que escolheram o Rio Grande do Sul para viver.