Mais de 21 mil haitianos que moram no Brasil vão ficar no 'limbo' a partir de novembro
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Pelo menos 21 mil haitianos que estão com visto humanitário no Brasil vão ficar em um limbo judicial a partir do dia 11 de novembro. No ano passado, nesta mesma data, o Ministério da Justiça anunciou que 43,7 mil migrantes do Haiti teriam direito ao visto de residência permanente, conhecido como o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE). O governo federal deu o prazo de um ano para os haitianos regularizarem sua situação no país na Polícia Federal. O problema é que neste ano nem metade deles conseguiu emitir o RNE.
Mais de 500 haitianos batem diariamente na porta da Missão da Paz, uma das organizações que ajuda os imigrantes a solicitarem a documentação, pedindo ajuda para agilizar o agendamento. “O discurso é que é um problema técnico. Mas são dois meses de problemas técnicos sem uma solução”, afirma o padre Paolo Parise. "Tentamos em todos os horários possíveis, mas nunca há datas disponíveis", reclama. Os problemas começaram no dia 18 de agosto, segundo a entidade, e continuam ocorrendo.
Sem o documento, é como se os haitianos ficassem 'ilegais' no Brasil. Só não ficam porque eles possuem uma solicitação de refúgio, que pode ser negada ou autorizada a qualquer momento pelo governo federal. "Se eles perderem o prazo, vão precisar aguardar uma outra lista, que pode demorar anos, porque precisam pedir a republicação do seu nome", explica a advogada Maristela Schmidt. "É como se eles estivessem em um limbo, sem definição alguma do seu futuro", complementa.
O limbo ao qual Schmidt explica parte dos direitos dos imigrantes que vivem no Brasil. Sem o RNE, o haitiano vive no Brasil sem acesso aos serviços públicos básicos. Quer fazer faculdade pública? Esqueça, o estrangeiro precisa do documento na inscrição. Conta no banco? A maioria exige o RNE para abrir o cadastro. Cartão do SUS? Também não. E sair do Brasil para visitar a família? Impossível. Se o migrante sair do país e tentar voltar será barrado logo na fronteira. "O visto de refúgio não garante esse direito. É como se eles ficassem presos no Brasil. Já houve casos de haitianos que tentaram viajar e na volta ficaram presos no aeroporto", explica a advogada.
No chamado conector, área no aeroporto onde os imigrantes não autorizados a entrar no País ficam, os haitianos podem passar semanas presos, sem saber se permanecem no Brasil ou voltam para o Haiti.
Mas o pior de tudo é que as empresas exigem dos migrantes o RNE para assinar a carteira de trabalho. A maioria dos 21 mil haitianos que ainda não conseguiram o documento passam por esta situação: o desemprego. R.T., de 27 anos, está na lista dos 43 mil haitianos contemplados pelo Ministério da Justiça. O problema é que ele tenta há seis meses marcar uma data para confeccionar o RNE. Desempregado, ouve frequentes "não" em entrevistas de emprego porque não possui a documentação. Eu não sei mais o que fazer. Trouxe minha mulher para o Brasil para viver comigo e hoje em dia mal tenho dinheiro para pagar o aluguel", conta.
O HuffPost Brasil acompanhou a tentativa do agendamento de J.L., de 30 anos. Com medo de perder o prazo e ser "deportado" do Brasil, prefere manter o anonimato. "Tenho medo do que pode acontecer com a gente. Não só eu, mas todos os haitianos. A gente prefere manter a discrição, não mostrar o rosto. Vai que nos expulsam do Brasil?", questiona.
Empregado em uma rede de supermercados, J.L. já perdeu pelo menos sete dias de trabalho para tentar marcar uma data na Polícia Federal. "Eu fui até lá, falei com as atendentes. Elas nos mandam aqui na Missão da Paz para tentar o agendamento. Chego aqui e nunca tem data", conta. "Cada viagem desta eu gasto pelo menos 20 reais. É um absurdo".
O que diz a PF
A superitendência da Polícia Federal em São Paulo admite que há dificuldades de agendamento no sistema e justifica a falha como uma "readequação da PF para um sistema totalmente eletrônico de processos para dar mais agilidade aos procedimentos".
Segundo a polícia, houve a necessidade de interromper os agendamentos, mas o problema teria sido normalizado no dia 12 de setembro. A Polícia Federal garante que tem disponibilizado 15 vagas de atendimento por dia.
"Entendemos que haverá dificuldades para os estrangeiros durante essa readequação de procedimentos, sobretudo em razão do represamento decorrente dos dias em que não houve agendamentos disponíveis, mas a orientação que transmitimos é que sigam acessando nosso site para a marcação de novas datas", afirma em nota.
O HuffPost Brasil questionou o Ministério da Justiça sobre uma possível postergação de prazo para os imigrantes que não conseguirem agendamento até o dia 11 de novembro, mas até o momento não recebeu retorno.