- Qua, 05 de Junho de 2013 10:55
Ele e mais nove compatriotas saíram da pequena cidade de Brasileia, no Acre, para trabalhar em Indianópolis, no Paraná (a 724 quilômetros de Curitiba), como apanhadores de aves na empresa GTFoods, dona da marca Frangos Canção.
Aos 25 anos, Wisly deixou no Haiti a mulher, quatro irmãos, pai e mãe para tentar a sorte no mercado de trabalho brasileiro. “Quero trazer todos para morar aqui”, conta o ex-pedreiro, satisfeito com o novo emprego e prestes a virar tradutor oficial da empresa, auxiliando a comunicação do departamento de recursos humanos na contratação dos estrangeiros, que falam francês.
Wisly divide uma casa com oito haitianos, que rateiam os gastos com aluguel, água, luz e alimentação. Todos eles, garante, sonham em buscar suas famílias e reconstruir a vida na tranquila cidade paranaense, de 4,3 mil habitantes (segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
“A região vive uma escassez de mão de obra. As vagas não eram preenchidas pela população local, e vimos que a adesão dos haitianos poderia suprir esta defasagem, aliando a iniciativa a uma causa humanitária”, explica o coordenador de RH da GTFoods, Adenilson Xavier, que acompanhou a seleção dos trabalhadores, por meio de uma ONG voltada a imigrantes no Brasil.
A ideia deu tão certo que a empresa lotou mais um ônibus no Acre com 43 haitianos, em abril deste ano. Recém-contratado, o grupo também passou a colher aves para o abatimento. “Eles mostraram ter disciplina, comprometimento e dedicação”, relata Xavier.
Foi o que motivou a companhia a enviar um recrutador ao abrigo de haitianos, em Brasileia – onde ao menos 1.300 pessoas aguardavam regularizar sua situação no País em abril –, para selecionar mais 220 funcionários haitianos, em maio. Esta semana, mais 130 começaram a trabalhar no frigorífico da empresa, incluindo mulheres, em diversas funções.
“Gostaríamos de viabilizar a vinda dos familiares deles para cá, mas eles precisam adquirir um equilíbrio financeiro antes de trazê-los”, explica o coordenador de RH da GTFoods.
Fluxo crescente
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apontam que o fenômeno da entrada em massa de haitianos no Brasil, legalmente, é recente: entre 2008 e 2010, apenas 20 vistos de trabalho foram emitidos. Já em 2011, ano seguinte ao terremoto que devastou o país caribenho, esse número subiu para 720.
No ano passado, a quantidade de permissões de trabalho saltou para 4.860, colocando o Haiti como o terceiro país com maior fluxo de estrangeiros com visto ao Brasil, atrás apenas de Estados Unidos e Filipinas. O aumento coincide com o período posterior ao desastre sísmico, que deixou ao menos 300 mil desabrigados na ilha.
Entre 2010 e o início do ano passado, pelo menos 4 mil haitianos acessaram o Brasil por países como Peru e Equador, chegando aos estados do Amazonas, Rondônia e Acre, segundo estimativas do Governo Federal.
EMISSÃO DE VISTOS
Número de permissões de trabalho concedidas a haitianos no Brasil entre 2008 e 2012
De lá para cá, a lista de empresas interessadas em contratar haitianos é crescente. Em Porto Velho, capital de Rondônia, onde a busca destas pessoas por trabalho é intensa, ao menos 20 empresas fizeram contratações entre 2012 e março de 2013. Gigantes como Odebrecht, Camargo Corrêa e Toshiba do Brasil estão na lista, segundo dados da Secretaria de Assistência Social de Rondônia.
São Paulo foi o estado que mais contratou haitianos (215) encaminhados pelo órgão, do ano passado até o momento. Em seguida, Rio Grande do Sul (156), Santa Catarina (152) e Rio de Janeiro (134) lideraram as contratações.
Em abril, uma resolução do Conselho Nacional de Imigração determinou o fim do limite de 1200 vistos humanitários anuais concedidos em Porto Príncipe, capital haitiana, ao Brasil. A nova regra pode significar um número ainda maior de estrangeiros autorizados a ingressar no País a partir do segundo semestre deste ano.
Prontos para trabalhar
Entre fevereiro de 2012 e janeiro de 2013, o Centro Pastoral de Mediação do Migrante – coordenado pela ONG Missão Paz São Paulo –, encaminhou 740 imigrantes, a maior parte do Haiti, para o mercado de trabalho local. No período, 458 empresas ofertaram vagas aos estrangeiros.
A dificuldade em falar português não é barreira no momento da entrevista de emprego. Os candidatos se viram como podem para demonstrar interesse e capacidade para ocupar as vagas, segundo a assistente social Ana Paula Caffeu, que coordena os trabalhos do núcleo.
A ONG recebeu, entre janeiro e abril deste ano, 336 telefonemas com ofertas de trabalho para imigrantes em São Paulo, em empresas como restaurantes, construtoras, hospitais e até haras.
“Há pessoas com um grau de qualificação alto, mas nem por isso deixam de se submeter a tarefas de chão de fábrica e de ajudantes de serviços gerais de todo nível. Se elas têm um salário de pelo menos R$ 1 mil líquido, moradia e alimentação, fazem como se fosse o melhor emprego do planeta”, relata Ana Paula.
O haitiano Robson Jean Baptiste, de 27 anos, era um dos candidatos de um processo seletivo para vagas em uma empresa de distribuição de gás, no fim de maio, intermediado pela Missão. Ele deixou para trás o sonho de cursar uma faculdade no Haiti para apostar no Brasil. “Aqui tem mais oportunidades. No Haiti estava difícil”, relata o imigrante, que chegou ao País em abril de 2012 e espera conseguir, brevemente, uma vaga com carteira assinada.
* Do iG, colaborou Vitor Sorano.
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