Sobe número de mulheres e crianças haitianas que chegam ilegalmente ao Brasil
6 de setembro de 2013 |
Nos últimos dois meses tem aumentado a presença de crianças, adolescentes e mulheres entre os imigrantes haitianos que entram ilegalmente no Brasil em busca de trabalho e são acomodados precariamente num acampamento em Brasiléia (AC), município com mais de 20 mil habitantes, vizinho de Cobija, capital do departamento de Pando, na Bolívia.
- Essas crianças, adolescentes e mulheres são basicamente parentes dos haitianos que já estão trabalhando em outras regiões brasileiras. Temos três adolescentes para quem o juizado de menores já autorizou que seja fornecida documentação. Outra adolescente, ficará no galpão por mais 15 dias até completar 18 anos – explica Damião Borges, funcionário da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, que administra o acampamento.
Mais de 20 casos de crianças e adolescentes haitianos sem documentos ou separadas dos pais já passaram pelo Conselho Tutelar de Brasiléia. Mas o maior problema, de acordo com Damião Borges, é que não surgem empresários dispostos a contratar mulheres haitianas, em média com mais de 30 anos de idade.
Atualmente, apenas em Brasiléia, existem 500 haitianos acampados, sendo 60 mulheres. Cerca de 60 vieram ao encontro de parentes e as demais em busca de emprego. Todas aguardam ajuda financeira de parentes no Brasil ou no exterior para prosseguir viagem. Porém, mais de 500 imigrantes haitianos estão no Peru e Equador, onde também aguardam ajuda financeira dos parentes conseguir chegar ao Brasil.
O acampamento dos haitianos em Brasiléia na verdade é um galpão de cobertura baixa, de alumínio, com capacidade para 200 pessoas, onde a temperatura chega a 40 C°. As condições insalubres de higiene inclui 10 latrinas, 8 chuveiros e esgoto a céu aberto. Não há distribuição de material de limpeza e higiene pessoal e lonas plásticas servem de cortina no espaço de 200 metros quadrados.
Um filtro industrial, com três torneiras, é o único ponto de distribuição de água potável. No sábado, assim como em toda a cidade, faltou água por causa dos serviços de manutenção na rede de abastecimento. Os governos estadual e federal oferecem café, almoço e janta aos haitianos.
Os primeiros registros da chegada de haitianos em Assis Brasil, Brasiléia e Epitaciolândia, no Acre, são de dezembro de 2010. Desde então, via Acre, 10,1 mil hatianos deram entrada no Brasil, que passou ser o principal destino após o terremoto no Haiti, em janeiro daquele ano.
A viagem dos haitianos começa por terra, de ônibus, até o país vizinho, a República Dominicana, de onde partem para o Panamá de barco ou avião. Do Panamá vão para o Equador, mais uma vez de barco ou avião. A partir de lá a viagem é por terra nas arriscadas estradas do continente latino-americano até Lima, capital peruana.
No Peru, o fluxo migratório se divide em dois principais caminhos: a tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, em Tabatinga (AM), ou para a divisa com o Acre. A entrada por Tabatinga na verdade foi fechada recentemente pelo governo do Amazonas, fazendo com que a entrada seja atualmente apenas pelo Acre.
No caso da rota pela Transoceânica, os haitianos partem de Lima para a cidade de Puerto Maldonado, onde alugam um carro até Iberia. Nesta cidade têm a sua disposição diversos coiotes peruanos e bolivianos, que os levam até ao município de Assis Brasil, na tríplice fronteira do Peru, Bolívia e Brasil.
Os haitianos geralmente sofrem violência e são alvo de extorsão das redes ilegais de atravessadores ou coiotes até alcançarem o Acre. Apenas 40% deles dispõem de condições para custear as suas viagens para centros urbanos do Brasil. Logo, 60% ficam esperando empresários para levá-los a frentes de trabalho.
Em Brasiléia e Epitaciolândia o governo organiza a documentação – visto humanitário, CPF, carteira de trabalho, carteira de vacinação, o que permite inserção no mercado de trabalho como mão de obra barata nas regiões sul e sudeste. Em razão disso, os haitianos continuam chamando seu compatriotas para o Brasil.
Trabalho precário
Além dos problemas socioeconômicos que se arrastam há anos no Haiti, o terremoto que acometeu o país em 12 de janeiro de 2010 reforçou, em grande medida, a imagem infortuna do país, ao atingir cerca de 3 milhões de pessoas, provocar aproximadamente 220 mil mortes e desabrigar perto de 1,6 milhão dos seus habitantes. Logo após o sismo, uma epidemia de cólera comprometeu ainda mais a realidade haitiana.
De acordo com as professoras Letícia Mamed e Eurenice Oliveira de Lima, pesquisadoras da Universidade Federal do Acre, que atualmente estudam a questão da imigração dos haitianos no Acre e Brasil sob a perspectiva do trabalho, o caso do Haiti, na periferia do capitalismo global, pode ser considerado emblemático.
Coordenadoras do grupo de pesquisa Mundos do Trabalho na Amazônia, as professoras assinalam que, pelas circunstâncias em que acontece o trânsito de haitianos na Amazônia Ocidental e a maneira como isso tem sido gerenciado politicamente pelo Brasil, isso pode contribuir para que essa imigração represente um padrão precário de inserção no mercado de trabalho brasileiro, no qual a condição de imigrante passa a se refletir na própria divisão do trabalho.
- A situação de indocumentados ou documentados provisórios os fragiliza ainda mais do ponto de vista do acesso a direitos e a algum tipo de proteção, tornando-os, assim, também vulneráveis ao arbítrio de organizações criminosas e de possíveis empregadores – afirma Letícia Mamed.
Os haitianos que têm sido contratados no Brasil, o são provisoriamente por empresas do ramo da construção civil e do abate de carnes, em um sistema experimental de 45 dias.
- Nossos primeiros levantamentos revelam que os poucos haitianos que têm sido contratados no Brasil, o são provisoriamente, em um sistema experimental de 45 dias, por empresas do ramo da construção civil e do abate de carnes, para ocupação em atividades manuais, que não exigem formação escolar ou experiência. Segundo relatos, a maioria deixa a atividade logo após o primeiro mês de trabalho – acrescenta Eurenice Lima.
O “estado de emergência social” em Brasileia e Epitaciolândia continua intenso. O aumento do número de haitianos, combinado com a diminuição da oferta de vagas por parte de empresas que antes buscavam trabalhadores no acampamento, cria um caos social para os próprios haitianos no Brasil. A assistência montada no local já demandou R$ 4,5 milhões do governo estadual e R$ 2 milhões do governo federal, em dois anos e oito meses.
Mas o peso maior da questão é colocado para a própria cidade de Brasiléia, de pequena e modesta economia, com pouco mais de 21 mil habitantes. Na avaliação das professoras, o acirramento do problema questiona o improviso da política de acolhimento, que sobrecarrega Brasiléia e sua população. Os haitianos competem por vagas com os moradores locais nos postos de saúde, supermercados, padarias, agências bancárias, farmácias, correios e demais serviços públicos.
Damião Borges, funcionário da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, reconhece o problema. Ele avalia que os haitianos já deixaram no Peru ao menos US$ 5 milhões com o pagamento de propinas a policiais e funcionários dos postos de imigração na fronteira.
- A situação não é fácil de ser resolvida. A população de Brasiléia e Epitaciolândia reclama, mas os haitianos também contribuem para a economia. Fiz um levantamento e constatei que os haitianos recebem diariamente de R$ 10 mil a R$ 15 mil. Esse dinheiro é enviado por parentes deles espalhados por diversas partes do mundo. Eles gastam o dinheiro com pensões, lan houses, mercearias e lanchonetes. Nunca vi um povo gostar tanto de refrigerante. Na rodoviária de Brasiléia, por exemplo, o dono de uma lanchonete, que vendia um pacote de refrigerante por dia, agora vende mais de 10 pacotes.
Além disso, paira sobre a comunidade de Brasiléia a ideia de que os haitianos também recebem uma espécie de bolsa de auxílio do governo, pois os imigrantes permanecem em grande número, todos os dias, nas filas dos bancos. Sem hostilizá-los, boa parte da população de Brasiléia e Epitaciolândia demonstra insatisfação por conta da falta da mesma atenção e cuidado.
- Temos que tentar desfazer esses boatos quase todos os dias. Os haitianos não são beneficiados com bolsa. O governo oferece apenas abrigo, café, almoço e janta. A despesa diária com cada haitiano custa, em média, R$ 12 – conclui Borges.
Por: Altino Machado
Fonte: Terra Magazine/ Blog da Amazônia
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