Igreja Adventista do Sétimo Dia de Porto Velho oferece cestas
básicas a haitianos recém-chegados
Num templo da Assembleia de Deus no centro de Porto Velho, ao
menos cem fiéis cantam em coro, ouvem pregações e oram em conjunto. Ao longo das
três horas de cerimônia, não se ouve uma única palavra em português. Todos ali
são haitianos.
Atraídos por empregos nas hidrelétricas do rio Madeira, desde 2011 ao menos 3
mil imigrantes do país caribenho se mudaram para a capital de Rondônia, segundo
o governo local. E no Estado com o maior percentual de evangélicos do país
(33,8%, ante 22,2% da média brasileira), algumas igrejas travam uma disputa por
suas "almas".
A Assembleia de Deus foi a primeira na cidade a erguer um templo só para o
grupo. A maioria dos fiéis passou a frequentá-la após se mudar para Porto Velho,
seduzida pelos cultos em creole, a língua mais falada do Haiti.
Quem conduz as cerimônias é o haitiano Pierrelus Pierre. Antes de migrar para
o Brasil, ele já era pastor da Assembleia de Deus na República Dominicana. "Vim
para o Brasil para trabalhar, só que quando cheguei aqui a história mudou", ele
diz à BBC Brasil.
Poucas semanas após mudar-se para Porto Velho, Pierre conheceu o líder da
Assembleia de Deus na cidade, o pastor Joel Holden. O pastor o convidou, então,
a assumir a pregação a seus compatriotas na igreja que viria a ser erguida para
o grupo.
"Aqui na igreja haitiana a gente se sente em
casa"
Gildrin Denis, operário
haitiano
A estratégia surtiu efeito: desde a inauguração do edifício, há dois anos, os
cultos estão sempre cheios.
"Já fui a igrejas brasileiras que são muito legais, muito bacanas. Mas aqui
na igreja haitiana a gente se sente em casa", diz o operário Gildrin Denis, de
25 anos.
Denis afirma que, no Haiti, frequentava uma igreja pentecostal que não existe
no Brasil e que se converteu à Assembleia de Deus "para manter o padrão". "Tenho
dezenas e dezenas de amigos haitianos em Porto Velho e todos eu vejo aqui na
igreja, fizemos amizade aqui."
Supervisor da Congregação Haitiana da Assembleia de Deus na cidade, o pastor
brasileiro Evanildo Ferreira da Silva diz que a igreja já converteu ao menos cem
imigrantes. Ao serem batizados, eles recebem uma carteirinha com foto e dados
pessoais.
Pierrelus Pierre veio ao Brasil para trabalhar, mas semanas
depois virou pastor
Silva acompanha os cultos em silêncio, sentado no palco. Ele só se levanta
para as músicas, que ocupam boa parte da cerimônia e são comandadas por
baterista, baixista e guitarrista haitianos.
Um assistente, também brasileiro, é encarregado de coletar o dízimo. O pastor
diz, no entanto, que os haitianos "estão com dificuldade de fazer essa parte
aí". "Estamos tentando adaptá-los a essa cultura nossa, de contribuição, até
porque a igreja precisa pagar luz, telefone, ar-condicionado."
Paralelamente, afirma Silva, há um trabalho para fazê-los abandonar as
tradições do vodu, culto levado ao Haiti por africanos escravizados. "Eles
chegam com uma cultura africana, de candomblé, mas na igreja são doutrinados a
abandonar essas práticas."
Devagarinho
Melodias haitianas embalam cultos em Porto Velho
Em Rondônia, igrejas evangélicas tentam conquistar
imigrantes do país caribenho.
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Segundo a base de dados da CIA, órgão de inteligência dos EUA, embora 80% dos
haitianos sejam católicos e 16%, evangélicos, metade da população do país
pratica o vodu.
Silva diz que a igreja tem lidado com as diferenças culturais com "muita
prudência, devagarinho, senão de repente eles podem até espalhar."
Muitos, de fato, já buscam outros ares. Dois fiéis que assistiam ao culto da
Assembleia de Deus num domingo de junho carregavam o livro
Nada a
Perder, de Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus.
"Estamos tentando adaptá-los a essa cultura
nossa, de contribuição, até porque a igreja precisa pagar luz, telefone,
ar-condicionado"
Pastor Evanildo Ferreira da Silva, da Assembleia de
Deus
Eles haviam ganhado a obra na semana anterior ao participar, com centenas de
haitianos, de um culto da Universal em Porto Velho. Só naquele dia, a igreja de
Edir Macedo converteu seis haitianos.
Nem todos, porém, pretendem voltar. Um dos primeiros haitianos a se mudar
para Rondônia, o tradutor Jean Onal, de 38 anos, diz que aceitou o convite para
o culto da Universal por curiosidade, mas que o tom da cerimônia o desagradou.
"Tinha mais de cinco pessoas possuídas, achei muito exagerado.''
Onal, que diz ser adventista, afirma que as igrejas em Porto Velho têm duas
estratégias para atrair os imigrantes: enviam-lhes convites impressos ou pedem a
haitianos que já as frequentam que levem conhecidos aos cultos.
Ele calcula que ao menos cinco denominações evangélicas na cidade tenham
haitianos como crentes. Já a Igreja Católica raramente atrai estrangeiros às
suas missas, embora sua pastoral do migrante lecione português a grupos de
imigrantes.
Coordenadora das atividades da pastoral, a irmã Orila Travessini diz que a
igreja não faz proselitismo com as turmas. Ela nota, porém, que entre os
haitianos "há uma grande carência do sobrenatural, de algo que preencha
isso".
"Não é um trabalho feito gratuita e
desinteressadamente. Há um interesse de conversão em marcha. É uma disputa, um
verdadeiro mercado de almas, que pode ser ampliado para um mercado de
dízimos."
Marco Teixeira, professor da Universidade Federal de
Rondônia
Para Onal, a religiosidade de seus compatriotas reflete as condições sociais
adversas que enfrentam. "O Haiti tem muita pobreza, muito desemprego, então as
pessoas têm bastante tempo para orar a Deus."
E quando emigram, diz, algumas práticas pregadas por religiões evangélicas –
como a proibição ao consumo de álcool – facilitam que encontrem emprego e se
adaptem ao novo país, segundo ele.
"Um país que não é pobre sempre tem uma festa no fim de semana para as
pessoas gastarem dinheiro. Os haitianos, não: eles se preocupam mais com
trabalho e com a igreja, é difícil encontrar alguém com cigarro na mão ou
bebendo."
Na Igreja Adventista do Sétimo Dia de Porto Velho, que conta com cerca de 30
fiéis haitianos, a relação entre religião e prosperidade é ainda mais direta. A
igreja dá aos haitianos recém-chegados cestas básicas, paga seus aluguéis e os
encaminha para entrevistas de emprego com empresários fiéis da igreja.
"Todos os haitianos conosco estão trabalhando, têm celular, bicicleta. O
nível financeiro deles têm aumentado", diz o pastor Paulo Praxedes. "O objetivo
deles não é serem sustentados ou mantidos por outros, é serem sustentados pelo
próprio trabalho deles".
A Assembleia de Deus foi a primeira na cidade a erguer um
templo só para o grupo
Até agosto, a igreja também deve inaugurar uma unidade só para os haitianos.
Por ora, o grupo frequenta os cultos regulares da igreja junto ao dos fiéis
brasileiros e, numa sala aos fundos, celebra uma cerimônia em creole. A igreja
também pretende formar, em breve, um pastor haitiano.
Para Marco Teixeira, professor do departamento de história da Universidade
Federal de Rondônia (Unir), que coordena um grupo de estudo sobre os haitianos
em Porto Velho, as igrejas evangélicas da cidade "viram nos haitianos um
alvo".
Embora avalie como positivo o papel que elas exercem ao recebê-los,
dando-lhes segurança, ele diz que as igrejas promovem uma "despersonalização"
dos imigrantes.
"Não é um trabalho feito gratuita e desinteressadamente. Há um interesse de
conversão em marcha. É uma disputa, um verdadeiro mercado de almas, que pode ser
ampliado para um mercado de dízimos."
O pastor Adventista do Sétimo Dia Paulo Praxedes nega, porém, que sua igreja
participe de qualquer disputa. "Não somos uma concorrência, nosso interesse é
ajudá-los. Muitas vezes esses haitianos chegam ao nosso centro cultural e nem
sabemos de que religião eles são".
O pastor Evanildo Silva, da Assembleia de Deus, tampouco endossa a visão de
que as igrejas estão competindo pelos imigrantes. Mas afirma que, mesmo que
outras denominações venham a assediar os fiéis da Assembleia de Deus, o grupo
não vai diminuir.
"Tem muitos haitianos aqui, então tem para todo mundo."