terça-feira, 8 de setembro de 2015

Informação 08-09-2015

PUBLICADO EM 08/09/15 - 03h00
 




Com a voz embargada, o desespero estampado no rosto e sem falar português, o haitiano Ifrène Ménéas, 41, não tem a quem recorrer. Sem saída, ele pede socorro durante a entrevista. “Tem como você me ajudar?”, diz. Demitido em julho de uma fábrica de refrigerantes, o imigrante, ao conversar com a reportagem de O TEMPO, havia acabado de ser informado de que a empresa onde trabalhou durante 11 meses na região metropolitana da capital lhe tinha dado um calote e não havia previsão para pagar sua rescisão contratual: o fim de um sonho.
Diante da falta de perspectiva com a crise econômica no Brasil – que elevou o preço do dólar e reduziu a oferta de empregos – a vontade dele, como a de muitos dos cerca de 4.000 haitianos que vivem na região metropolitana de Belo Horizonte, é a de voltar para casa. O problema é que a situação para os imigrantes está tão difícil que muitos nem sequer têm dinheiro para comprar a passagem de volta, em torno de R$ 4.000.
 

No Brasil há um ano, Ifrène, que só fala crioulo – idioma oficial do Haiti –, não tem ideia de como vai conseguir dinheiro para custear a escola dos filhos de 9 e 15 anos, que estão no país de origem. “Ele não gosta mais do Brasil, pois está difícil arrumar emprego. Como vai pagar o aluguel?”, pergunta Sandy Gaston, 34, primo de Ifrène, que traduz para o português a angústia do familiar.
Quando conversaram com a reportagem de O TEMPO, Sandy e Ifrène estavam no Centro Zanmi, entidade que proporciona atendimento a imigrantes e a refugiados em situação de risco – a maioria haitianos –, no centro da capital. Eles eram orientados por um advogado voluntário da organização que os havia informado sobre o calote trabalhista sofrido por Ifrène. “Estou com saudade demais dos meus filhos”, desabafa Sandy, passando a mão na cabeça com inquietação.
Segundo Sandy, que trabalha como auxiliar de separação, ele também não consegue mais enviar os US$ 100 mensais para alimentar os três filhos de 3, 4 e 7 anos, como fazia antes da disparada da moeda norte-americana, cotada na última sexta-feira a R$ 3,84. Para ele, morar no Brasil não vale mais a pena, ainda que confirme a dura realidade de seu país, em profunda crise política e com poucas oportunidades de emprego. “Lá o governo é ladrão, e as empresas são quebradas. Aqui foi bom nos primeiros seis meses, mas, depois que o dólar aumentou, piorou”, diz.
A sala da entidade de apoio a imigrantes tem ficado movimentada, e a cadeira na mesa da funcionária Dayane Carvalho, 21, responsável pela acolhida, é disputada. Diariamente ela é testemunha das dificuldades encontradas pelos imigrantes, que vivem em sua maioria nas cidades de Contagem e Esmeraldas, e confirma o interesse de grande parte em retornar à pátria. “Alguns brasileiros cobram preços abusivos de aluguel dos haitianos”, afirma.
Saúde. Não bastasse isso, os imigrantes muitas vezes têm dificuldades até de acesso à saúde. “Até remédio para febre e dor de cabeça já negaram”, conta Rony Jerome, 25, que é dono de um comércio. Ele está no Brasil desde 2009.
A situação de Wesnaíder Joseph, 26, é igualmente dramática. Há dois anos no Brasil, ele perdeu o emprego num supermercado em abril e, em vez de mandar dinheiro para a família, agora precisa contar com a ajuda financeira da mãe para se manter no bairro São Pedro, em Esmeraldas. “Minha mãe pensou que eu viria para melhorar de vida, mas agora ela que manda dinheiro pra mim, pois eu não consigo pagar aluguel. Assim fica ruim”.
 
Destruição
Pobreza. Em 2010, um terremoto atingiu o Haiti e deixou o país em situação calamitosa. Mais de 200 mil pessoas morreram e 1 milhão ficaram desabrigadas. Porto Príncipe, a capital, foi destruída.

Lan house que presta assistência corre risco de falir

Resolver problemas de haitianos tem virado a especialidade de Rony Jerome, 25, dono de uma pequena lan house no bairro São Pedro, em Esmeraldas, na região metropolitana de Belo Horizonte. É ele quem socorre quando seus compatriotas, que não dominam o português, precisam resolver demandas cotidianas, como fazer ligações telefônicas ou ir ao posto médico. Como vários de seus colegas foram demitidos dos empregos, seu negócio pode estar com os dias contados. “Os haitianos pedem para fazer fiado. Como eu vou ajudá-los se eu também estou precisando de ajuda?”, questiona.
Jerome conta que muitos haitianos ainda pensam que vão conseguir melhorar de vida no Brasil. “As pessoas no Haiti não sabem que o Brasil está ruim. Eu mesmo não estou conseguindo pagar minhas contas”, lamenta o comerciante, que, fanático por futebol, diz ter como frustração nunca ter conseguido ir ao Mineirão.
 
Há um ano e meio no país, o pedagogo Phanel Georges, 29, é outro desapontado. Sem conseguir alunos para dar suas aulas de francês, ele teve que trabalhar em uma fábrica de gavetas para continuar a ajudar a mãe e três irmãs, que moram no Haiti. “Pensávamos que só em nosso país havia pobreza e mendigos. Achei que sair de lá daria para ganhar um pouquinho melhor, mas até agora não deu certo. Até evito conversar com elas para não sentir essa dor.

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