sábado, 22 de setembro de 2012

Documento sobre Tráfico de Pesosas

No enfrentamento ao tráfico de pessoas, tecer outra rede[1]

William César de Andrade[2]

O tráfico de pessoas é semelhante a uma teia/rede, composta for uma infinidade de fios que se cruzam e se entrelaçam. Em cada um deles está uma pessoa, que tem uma história, um lugar de onde partiu e que agora vive marcada por uma trama muito maior do que tudo o que tenha sonhado ou desejado.
No tênue fio de um menino nascido no interior do Norte do Brasil há uma infância marcada por tantas dificuldades que é difícil dizer por qual razão o sonho de mudar a realidade foi crescendo, até se tornar um desejo de sair daquele lugar, de arriscar tudo por algo melhor. Uma de suas poucas alegrias era o futebol, onde o giro da bola, o drible e a magia do gol, faziam sorrir e pensar que viver valia a pena.
Noutro fio, tão tênue quanto o primeiro está uma jovem mulher, bonita e pobre ou como algumas vezes gostam de dizer, “com poucos recursos”. À sua volta a realidade é de privação, senão da comida ou do conforto, mas ainda assim, ausência de um futuro em que ela se veja feliz. Ela teima em querer e buscar o que deveria ter por direito ou por muito desejar.
O fio de um homem adulto que vê a seu redor uma situação que lhe causa dor e sofrimento. Forte para trabalhar, mas sem emprego ou sem a possibilidade de viver dignamente com aquilo que lhe oferecem. O pouco estudo não o intimida e está disposto a arriscar o que for necessário para melhorar de vida.
Outro fio, tecido num corpo que foi sendo modificado e agora já é difícil afirmar se é ele ou ela, também habitam sonhos e desejos de uma vida melhor, ainda que isso signifique uma quantidade a mais de sacrifício pessoal e distanciamento de sua terra.
Em cada um desses fios e nos tantos outros que fazem a teia/rede dos que buscam, querem ou são levados a acreditar que fora de sua terra, seja em outra região do país, seja em outro lugar do mundo estão as respostas que procuram, Eles não percebem, mas para olhos cobiçosos, eles são mercadoria humana, de um dos negócios mais lucrativos que existe e que curiosamente poucas vezes dá errado, e resulta em criminalização e efetiva punição.
Na ponta desse negócio estão o aliciador e o aliciado. O primeiro sabe que suas promessas e o mundo de oportunidades que apresenta não são reais, pior ainda, sabe que a vida daquele que ele ou ela tenta convencer nunca mais será a mesma se a ‘transação’ se concretizar. De fato o destino daquela criança, homem, mulher ou travesti quase nada significam, pois se trata apenas de um comércio regido pelas inflexíveis regras da oferta e da procura. Pouco lhe importa que isso seja tráfico de pessoas!
Para o ou a aliciada a realidade é totalmente outra, pois é a perspectiva de finalmente ter uma oportunidade que ocupa seus pensamentos. Ele ou ela não se ilude facilmente, pois nada na vida lhe chegou de modo fácil ou sem esforço. Mas o que leva um e outra a seguir em frente é uma profunda esperança, em alguns casos bem próxima ao desespero, de sair definitivamente de tudo o que o/a oprime ou reduz. Seu horizonte é, portanto, muito maior do que a realidade imediata oferece.
Os fios dessa teia/rede estão interligados entre si e também com realidades que englobam a sociedade e até mesmo o conjunto dos países. O tráfico humano não acontece apenas porque foram feitas escolhas erradas por algumas pessoas, fossem quais fossem suas motivações; O tráfico também não é fruto apenas da ganância de alguns em busca do lucro rápido e de uma ética em que os fins justificam os meios. Há mais envolvidos nesse processo e, no mínimo, isso significa a presença ou a ausência da sociedade e do estado.
A sociedade, isso é, os grupos humanos e instituições nos quais estavam inseridos cada um dos fios/pessoas traficadas, tem a imensa responsabilidade de cuidar dos seus, de ser uma presença integradora e ao mesmo tempo estruturante das condições de vida. Quanto mais precária e distante dos direitos fundamentais da pessoa humana, mais a realidade irá propiciar a existência do tráfico e de pessoas que venham a ser traficadas. É evidente que na sociedade brasileira predominam conflitos de interesse entre os grupos e instituições (tal como ocorre de modo geral nas sociedades complexas), mas isso não nos isenta de responsabilidades e do desafio de viabilizar uma vida social em que todos tenham seus direitos assegurados e perspectivas de felicidade.
O estado brasileiro é fruto da cidadania de seu povo e deve refletir em sua legislação e atuação dos órgãos públicos o pleno respeito à ordem democrática e, portanto, aos direitos inalienáveis da pessoa humana e suas instituições representativas. Suas políticas públicas devem assegurar o atendimento das necessidades básicas de todos os que habitam no Brasil - e de seus filhos e filhas que estão no exterior - e promover a superação de desigualdades, bem como disponibilizar oportunidades, para todos, de caminhos adequados à realização de suas potencialidades humanas. Combater o tráfico de pessoas e todas as outras formas de violência contra os direitos humanos e ilicitudes é tarefa do Estado e precisa ser implementada a partir de políticas claramente definidas em conformidade com a realidade atual.
Celebrar o Dia Internacional do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (23/09) é sem dúvida afirmar a urgência de mudanças estruturais no que tange ao desenvolvimento e à distribuição da riqueza. É superar exclusões e assegurar uma vida com dignidade e possibilidade de sua plena realização. Nesta direção estão algumas iniciativas e alguns desafios:
a)    Promulgar e implementar o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas;
b)    Estruturar em cada unidade da Federação Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas;
c)    Dar continuidade a instalação de Comitês de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, criando inclusive um Comitê Nacional, reforçando a presença da sociedade civil organizada.
d)    Construir um arcabouço normativo/legal que possibilite a efetiva criminalização dos agentes e demais pessoas envolvidas no Tráfico de Pessoas.
e)    Ampliar e/ou viabilizar iniciativas advindas da sociedade civil no campo da prevenção e da assistência às vítimas do tráfico de pessoas.
f)     Viabilizar processos de plena integração social às vítimas do tráfico de pessoas, evitando todo e qualquer processo de revitimização.

Brasília, 23 de setembro de 2012


[1] Refletindo o Dia Internacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
[2] Membro do Grupo de apoio ao Setor Mobilidade Humana da CNBB e consultor do Instituo Migrações e Direitos Humanos (IMDH).

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Dia 20-09-2012

Noticia


Haitianos devem receber até sexta protocolos para obter documentos no Brasil

Marcos Chagas
Da Agência Brasil, em Brasília
  • Mariana Bazo/Reuters
    Haitianos tomam banho em um chuveiro improvisado em Iñapari, fronteira do Peru com o Brasil Haitianos tomam banho em um chuveiro improvisado em Iñapari, fronteira do Peru com o Brasil
A Polícia Federal entregará até sexta-feira (21) um protocolo para que os 215 haitianos que estão irregulares em Brasileia, no Acre, possam legalizar a situação no país. O documento servirá para que eles possam obter o CPF (Cadastro Pessoa Física) e a Carteira de Trabalho.

O protocolo autoriza o imigrante haitiano a conseguir os documentos por prazo inicial de 180 dias, que pode ser prorrogado. Passado um ano e estando devidamente empregados, eles poderão requerer residência fixa no Brasil.

O problema, segundo o representante do governo do Acre que trata da questão, Damião Borges, é que não param de chegar haitianos em situação irregular pela fronteira com Cobija, na Bolívia. “Ontem (18) à noite entraram em Brasileia mais cinco haitianos e vai chegar mais. O governo federal deveria tomar uma providência: ou controla a fronteira ou [os] manda de volta ao Haiti”, ressaltou o representante do governo acriano.

Damião Borges disse que, mais uma vez, terá problemas com a alimentação aos imigrantes ilegais. Ele frisou que os atuais fornecedores deverão cortar o envio de comida aos haitianos.

Empresas de Goiás, Minas Gerais, Santa Catarina e do Rio de Janeiro já fizeram contatos com o governo estadual para a contratação dessa leva de haitianos que terão seus documentos de entrada legalizados. Segundo Damião Borges, outros devem seguir para Porto Velho onde têm parentes já empregados.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Informações

Wooldy Edson Louidor del Servicio Jesuita a Refugiados para América Latina y el Caribe (SJR LAC), 17 de septiembre de 2012
Los migrantes haitianos: amenazados por repatriaciones a través del continente americano
La decisión que tomaron varios Estados y gobiernos de reanudar o intensificar las repatriaciones de las y los ciudadanos haitianos hacia su país de origen amenaza con empeorar la situación de precariedad y vulnerabilidad en la que se encuentra un gran número de esos migrantes caribeños en el continente americano.
Luego del terremoto del 12 de enero de 2010, varios países dieron una moratoria sobre las deportaciones de las y los migrantes haitianos por motivos humanitarios. Algunos gobiernos respetaron esta moratoria, mientras que otros la violaron.
Más de dos años y medio después de la tragedia, casi todos los gobiernos y demás autoridades del continente americano levantaron dicha moratoria, anunciando la reanudación o la intensificación de las operaciones de repatriaciones de las y los ciudadanos haitianos en situación migratoria irregular en sus respectivos territorios.
Anuncio de la reanudación de las repatriaciones por las islas Turcos y Caicos
Las autoridades británicas de las islas Turcos y Caicos anunciaron el pasado 6 de septiembre de 2012 la reanudación de las deportaciones de migrantes haitianos irregulares que llegaron a su territorio antes del 12 de enero de 2010.
“El levantamiento de la moratoria sobre la deportación [hacia Haití] es una decisión del Ministerio del Control fronterizo y del Trabajo en vistas a aplicar la ley de manera firme, justa y eficaz”, declaró a varios medios de comunicación la secretaria permanente de este organismo ministerial de las islas británicas, la Sra. Clara Gardiner.
“A través de la consolidación de nuestras capacidades de inteligencia y de la firma de un protocolo conjunto con la Policía, estamos identificando todas las amenazas e individuos que intentan quebrar la integridad de nuestras fronteras tales como los boat-people [migrantes indocumentados que llegan al territorio en botes], los coyotes [traficantes de migrantes] y otros traficantes; buscamos a los migrantes implicados en actividades criminales o a los que son nocivos para nuestras comunidades”, afirmó ella en tono firme.
Reanudación de las deportaciones desde las Antillas francesas
Algunas organizaciones de defensa de derechos de los migrantes en Francia y en los territorios de ultramar denunciaron, en un comunicado de prensa difundido el pasado 6 de septiembre de 2012, la reanudación de “las repatriaciones hacia Haití desde las Antillas; medidas que, teóricamente, fueron suspendidas desde el terremoto del 12 de enero de 2010”.
Esas organizaciones, entre ellas Collectif Haïti de France (CHF) y Comité Inter Mouvements auprès des Évacués (CIMADE), fustigaron la decisión de las autoridades de la isla Guadalupe de expulsar hacia Haití a un padre de nacional francés.
El migrante haitiano fue interpelado « por la policía en las fronteras francesas, mientras que estaba en su lugar de trabajo en Guadalupe”. Luego, “fue detenido” y “llevado al centro de detención administrativa de Morne Vergain (Guadalupe) para ser expulsado a Haití”, expresaron, indignados, esos colectivos de derechos humanos.
“Cuando la organización CIMADE preguntó en el Ministerio del Interior francés sobre esta situación tan grave [la reanudación de las repatriaciones de haitianos hacia Haití], no se le dio ninguna respuesta, hasta la fecha ”, explicaron, perplejos.
210 migrantes haitianos esperan una decisión del gobierno brasileño en la frontera  Acre
210 migrantes haitianos se encuentran actualmente varados en la ciudad brasileña de Brasileia, fronteriza con Perú y Bolivia, esperando una decisión del gobierno brasileño sobre su situación.
Las autoridades locales de Brasileia habían empezado a brindar ayuda humanitaria a esos migrantes que llegaron a su territorio en un estado muy crítico (deshidratados y con mucha hambre), luego de haber caminado durante varios días en la selva amazónica a través de Bolivia.
Los 210 migrantes provienen de la localidad peruana de Iñapari, fronteriza con Brasil y Bolivia por el lado del río Acre, donde no habían recibido asistencia humanitaria durante meses, mientras que Brasil estaba determinado a mantener cerrada su frontera.
Las autoridades locales de Brasileia se muestran cada vez menos dispuestas a mantener la asistencia humanitaria debido a la falta de fondos financieros; pero dijeron que ya habían informado al gobierno central de Brasilia, que deberá decidir si va a regularizar o expulsar a los migrantes haitianos (no se sabe si es hacia Perú o hacia Haití).
“El gobierno brasileño se propone luchar contra la criminalidad organizada que saca provecho de esas migraciones”, sostuvo el canciller brasileño, Antonio Patriota, quien subrayó cuán mínima es la posibilidad para su gobierno de regularizar a más ciudadanos haitianos mediante la otorgación de visas humanitarias de residencia.
Los migrantes haitianos irregulares en Ecuador, también amenazados por repatriaciones
En un control migratorio que realizó en Quito el pasado mes de julio, la Policía de Migración de Ecuador detuvo a un migrante haitiano en situación migratoria irregular en las calles de la capital ecuatoriana.
Al final de un juicio que se le hizo al migrante en una primera Audiencia de Deportación, una instancia judicial de Quito le dio un plazo de 90 días para regularizar su estatus migratorio. Vencido el plazo, una orden de repatriación fue emitida contra el migrante que no pudo regularizar su situación migratoria.
Se espera en los próximos días un fallo de la Corte Constitucional sobre el caso, en base a una consulta que ha sido elevada a su jurisdicción.
El futuro de los migrantes haitianos en Ecuador depende en gran medida de este fallo, en la medida que representará un importante precedente.
Mientras tanto, las organizaciones de derechos humanos y los mismos migrantes siguen pidiendo la no deportación de todos los ciudadanos haitianos en situación irregular en Ecuador.
¿La nueva administración dominicana mantendrá la misma política migratoria?
Bajo la nueva administración del presidente Danilo Medina, la Dirección General de Migración de la República Dominicana continúa realizando repatriaciones de migrantes haitianos “con los procedimientos irregulares de épocas anteriores”, denunció el Servicio Jesuita a Migrantes (SJM Jimaní) en un comunicado de prensa que difundió el pasado 10 de septiembre.
Dichos procedimientos irregulares consisten en el irrespeto a “los convenios internacionales suscritos por la República Dominicana en materia de derecho humanos de los migrantes y sus familias”, así como en el incumplimiento del Protocolo de entendimiento sobre los mecanismos de repatriación entre República Dominicana y Haití de 1999.
¿La nueva administración dominicana continuará la misma política migratoria, marcada por repatriaciones de ciudadanos haitianos sin respetar el debido proceso, la desnacionalización de dominicanos de origen haitiano y la violación de los instrumentos de derechos humanos a nivel internacional y regional?

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Divulguem e repassem as informação aos conhecidos


www.migrante.org.br

Prezados membros da RedeSolidária,

Envio em anexo uma pequena relação de nomes de haitianos que receberam a Residência Permanente, cuja publicação foi no dia 03 de setembro de 2012, p. 119. Vejam com atenção, por favor, pois se trata de algumas pessoas cujos processos estavam pendentes há tempo, como, por exemplo  aqueles pedidos feitos em 2010. Ocorre que estes processos estavam com alguns problemas a serem resolvidos, como, por exemplo, tradução dos  questionários preenchidos na Polícia Federal, do francês para o português.

O IMDH buscou resolver estas questões pendentes, graças a Deus foi possível solucionar os casos, e agora já foram autorizados pelo CNIg/MTE e deferidos pelo Ministério da Justiça. 

Vejam, pois, em anexo, esta pequena lista e, por favor, ajudem a divulgar ou, se souberem o paradeiro deles ou conhecerem alguém que pode passar-lhes esta informação, queiram fazer chegar esta comunicação aos beneficiários.

Vejam, também, que no site do IMDH consta outra listagem, muito extensa, de haitianos que obtiveram a residência permanente, conforme publicação do dia 05/09/2012 (consultem o site www.migrante.org.br).

Um abraço
Ir. Rosita Milesi, mscsTel.: (0055) 61 81737688 e 3340-2689
Deferidos em 03set12f. - pag 109.pdf

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Haitianos 10-09-2012

Suporte humanitário

No Acre, haitianos ilegais aguardam visto de permanência

Ilegais em busca de emprego, 182 haitianos recebem assistência humanitária na cidade de Brasileia, no Acre. Eles aguardam autorização do governo federal para se estabelecerem permanentemente no Brasil. No dia 20 de agosto deste ano, eram 35 os haitianos ilegais na cidade. Segundo o representante do governo do Acre em Brasileia, Damião Borges, não há como impedir a entrada dessas pessoas no município. Motivo: a fronteira com a Bolívia é extensa e pouco policiada.
O ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, em audiência pública na Câmara dos Deputados, afastou a possibilidade de ampliação da concessão de vistos aos haitianos, com o fim de coibir a atuação do crime organizado, que tira proveito da situação vendendo a travessia da fronteira entre Bolívia e Brasil.
Alojados em um casarão de cinco cômodos, os haitianos recebem, por dia, três refeições e sete mil litros de água potável. Segundo o secretário de Justiça do Acre, Nilson Mourão, o Ministério da Justiça já foi comunicado da situação. “Aguardo agora um comunicado deles [governo federal]. Se forem enviar essas pessoas de volta ao Haiti, o problema é deles mas, da nossa parte, continuaremos dando suporte humanitário”, afirmou Nilson para a Agência Brasil.
Os imigrantes chegam a Brasileia guiados por coiotes, que vendem a travessia. Eles percorrem oito quilômetros pela mata amazônica até a cidade boliviana de Cobija, e passam a fronteira pelas duas pontes que separam os países, ou pelo rio Acre.
Também há haitianos ilegais no Peru, que, segundo Damião, decidiu expulsar os imigrantes que já estavam em seu território e fortalecer o policiamento nas fronteiras, principalmente com o Equador, um dos pontos fundamentais na rota entre Haiti e Brasil. Com informações da Agência Brasil.
Revista Consultor Jurídico, 10 de setembro de 2012

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

09/09/2012 | 00:09 Maria Gizele da Silva, da sucursal Ponta Grossa

Josué Teixeira/Gazeta do Povo
Josué Teixeira/Gazeta do Povo / Jean Auguste, Jean Vertus e Kesnel (no sentido horário) trabalham em Ponta Grossa: frio, saudade e idioma são barreiras na adaptação dos haitianos Jean Auguste, Jean Vertus e Kesnel (no sentido horário) trabalham em Ponta Grossa: frio, saudade e idioma são barreiras na adaptação dos haitianos
Estrangeiros

O Haiti é aqui, no Paraná

Dois em cada dez haitianos que desembarcaram no Brasil após o terremoto de 2010 estão em território paranaense. Imigrantes se espalharam pelas regiões Sul, Sudeste e Norte
 
 
09/09/2012 | 00:09 Maria Gizele da Silva, da sucursal Ponta Grossa
Descrentes com a recuperação econômica do Haiti após o terremoto que matou 316 mil pessoas em janeiro de 2010, muitos haitianos procuraram o Brasil para recomeçar a vida e buscar um emprego. Hoje, dois anos e meio após a tragédia, cerca de 6 mil haitianos vivem no Brasil, segundo o Ministério da Justiça. A maioria migrou para cá entre o ano passado e este ano. Desse contingente, 600 estão em território paranaense, espalhados em pouco mais de dez municípios.
De acordo com o Conselho Nacional de Imigração (Cnig), ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego, a Região Sul concentra 40% dos imigrantes do Haiti. O restante vive no Norte (39%) e no Sudeste (21%). No Sul, o Paraná é o estado com a maior parcela, com 19% dos imigrantes oriundos da capital haitiana, Porto Príncipe. Outros 8% estão em Santa Catarina, e 13%, no Rio Grande do Sul. Na Região Norte, o Amazonas abriga 19% dos haitianos que estão na região. No Sudeste, São Paulo é o principal polo, com 12% dos haitianos da região.
Futuro
Apesar das dificuldades, imigrantes fazem planos para trazer as famílias
Três haitianos que nunca tinham se visto no país de origem foram se conhecer neste ano, em Ponta Grossa, nos Campos Gerais. Eles foram contratados por uma empresa terceirizada da concessionária Rodonorte para restaurar duas pontes na rodovia PR-151. O trabalho começa ao amanhecer e é pesado, mas os haitianos não reclamam. “Gosto muito daqui”, diz Jean Estaniel Vertus, 29 anos, que era motorista em Porto Príncipe quando a tragédia causada pelo terremoto forçou sua saída do país em busca de trabalho no Brasil.
Além dele, Kesnel Pierre Charles, 32 anos, e Jean Julio Auguste, 42 anos, também atuam na obra. Os três dizem que já estão acostumados com a rotina no Paraná, mas se queixam do frio e das barreiras que têm enfrentar no dia a dia, como a dificuldade para se comunicar em português e a saudade da família.
Dos três, Kesnel é o veterano. Ele está no Brasil há um ano e três meses. Desembarcou em Manaus e depois foi recrutado por empresas paranaenses. Veio primeiro para Curitiba, depois seguiu para Ponta Grossa, onde divide um alojamento próximo ao Parque Estadual de Vila Velha com os dois amigos haitianos. Kesnel fala melhor o português porque fez um curso de quatro meses no Amazonas. Agora, ele ensina os colegas. Jean Vertus está aprendendo o idioma, mas Jean Auguste ainda precisa da ajuda dos colegas para conversar.
Lan house
Pelo menos uma vez por mês, eles pegam um ônibus e vão até o centro de Ponta Grossa para usar uma lan house. É a única alternativa para conversar com os familiares. Os três querem trazer os parentes para morar no Paraná.
Kesnel deixou a namorada no país de origem; Jean Vertus, o filho de 6 anos e a esposa; e Jean Auguste, os dois filhos de 11 e 14 anos mais a esposa. Além das conversas esporádicas, eles mantêm o vínculo com os familiares mandando parte do ordenado para Porto Príncipe por meio de transferência bancária.
Sua opinião
O que você acha da vinda dos haitianos para o Brasil? Eles podem amenizar a falta de mão de obra no país?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.
Segundo o presidente do Cnig, Paulo Sérgio de Almeida, os haitianos que migraram para o Brasil entraram no país principalmente pelo Acre e pelo Amazonas. A maioria dos que seguiram para o Sul do país vem do Acre. Conforme uma das coordenadoras da Pastoral do Migrante no Paraná, Elisete Sant’Anna de Oliveira, entre as explicações para o acolhimento paranaense está o fato de as empresas recrutarem haitianos no Norte do país e a própria rede de comunicação formada pelos haitianos. “Muitos se conheceram no Norte e mantêm contatos entre si. Eles chamam os amigos para os estados onde estão e ainda há emprego disponível”, comenta. Ainda segundo ela, dos haitianos que estão no Paraná, 90% estão estabilizados e querem trazer os familiares.
Singularidade
Os haitianos estão no Brasil com visto humanitário. De acordo com Almeida, a causa para a vinda deles ao Brasil é basicamente econômica. Nesse sentido, segundo ele, esse foi um tipo de fluxo migratório singular. “O Haiti já estava desestruturado antes do terremoto e depois dele as coisas não voltaram ao normal. Na história recente do Brasil, a imigração dos haitianos é um caso muito diferente”, diz o presidente do Cnig. Em geral, as imigrações ocorrem por motivos de guerra ou perseguição religiosa.
A explosão da imigração haitiana é facilmente constatada ao se observar a série histórica dos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1970 a 2010. Até o terremoto, pouco menos de 400 indivíduos vieram morar no Brasil nesse período. Número que não chega a 10% do total que migrou para terras brasileiras entre 2011 e 2012. Ainda segundo o IBGE, dos anos 70 para cá, portugueses e japoneses foram os povos que mais enviaram cidadãos para o Brasil: 1,29 milhão e 426 mil, respectivamente.
Mão de obra estrangeira é bem-vinda, dizem analistas
Os haitianos não concorrem com os brasileiros quando o assunto é mercado de trabalho, na opinião do professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Jorge Ramalho da Rocha e do professor de Sociologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR) Márcio de Oliveira. Isso porque os imigrantes ocupam vagas em que o país carece de mão de obra.
De acordo com a política estabelecida pelo governo federal, após o terremoto de 2010, qualquer haitiano que não tenha antecedentes criminais e queira vir para o Brasil pode obter o visto para residência permanente mesmo sem ter vínculo empregatício no país. A embaixada brasileira em Porto Príncipe concede os vistos de quem quer vir para cá e o Ministério da Justiça regulariza a situação de quem já está no Brasil.
Conforme o presidente do Conselho Nacional de Imigração (Cnig), Paulo Sérgio de Almeida, dessa forma as imigrações são praticamente todas regulares. Apesar disso, ainda ocorre a travessia terrestre de haitianos para o Brasil pelo Acre, mas a situação é monitorada pelo governo.
“A quantidade de haitianos é pequena e será fa­cilmente absorvida pela economia brasileira, que, aliás, necessita de mão de obra. Em certas áreas, tais como a construção civil, eles têm longa tradição e trabalham muito bem”, analisa Rocha.
Além do Brasil, conforme Oliveira, os haitianos que deixaram o país após o terremoto foram para República Dominicana, Estados Unidos e França. “A situação no Haiti continua muito ruim, há centenas de abrigos e a tendência é que os haitianos continuem deixando o país”, considera. Para ele, os países latino-americanos deveriam se reunir para planejar o recebimento dos haitianos.
Assistência
Pastoral e Comitê Estadual prestam apoio a imigrantes no PR
Para apoiar os cerca de 600 hai­­tia­nos que estão no Paraná, o estado conta com a Pastoral do Mi­grante, uma iniciativa da Igre­ja Católica, e o Comitê Es­­ta­dual de Refugiados e Mi­gran­tes, que envolve órgãos do go­­ver­no estadual. A assistente social Elisete Sant’Anna de Oli­­vei­­ra, integrante da coordenação da Pastoral do Migrante, explica que a entidade acompanha o trabalho dos haitianos con­­tra­­tados no estado e verifica se eles não estão sob condições de­­gradantes. “A Pastoral não age diretamente nos contratos de trabalho, mas cria condi­ções pa­­ra questionar os problemas quan­­do eles existirem”, acrescenta.
Elisete também integra o Comitê Estadual. Ele foi instalado em julho deste ano para acompanhar as políticas públicas de atendimento a migrantes e refugiados e está sob a coordenação da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Conforme Elisete, entre os projetos do comitê estão aulas de português para os imigrantes em parceria com a Secretaria de Estado da Educação.